Frank, o Maior Espetáculo da Terra

Um panorama da vida de Frank Sinatra, um “artista de verdade” que atuou na música e no cinema. Sua voz foi chamada de “uma instituição da América”

— Sinatra salvou a minha vida. Cinco sujeitos estavam me batendo e eu ouvi ele dizer: “Chega!”

Na época, essa piada do humorista Shecky Greene ficou famosa. Só que não era piada. Em 1967, ele levou mesmo uma surra encomendada por Frank Sinatra. A diferença é que o cantor não estava presente para dizer: “Chega!”. Greene tinha a compleição de um jogador de futebol americano, era alto, compacto, forte. Sinatra media 1,70. Durante boa parte da vida foi extremamente magro — na idade adulta chegou a pesar 55 quilos, um nanico magricela com cara de pizza, segundo os gozadores. Diante dessa desproporção, Frank não teve peito de encarar o humorista. Então ordenou a surra. Shecky Greene foi parar no hospital.

Não precisava muito para que Sinatra recorresse à violência. No caso de Greene, a encrenca foi porque o comediante lhe fez um desaforo. E se havia uma coisa que Frank não levava pra casa era isso. Poucos tinham coragem de enfrentá-lo. O maior cantor do século só andava em turma, sempre protegido por algum puxa-saco que tomava as suas dores ou agia a seu comando. Hospedado no Fontainebleau, em Miami, onde costumava se apresentar, certa vez Frank determinou que o amigo fortão que o acompanhava desse uma lição no padeiro do hotel. O motivo: o pãozinho que ele gostava de comer não estava pronto às quatro ou cinco da manhã. O padeiro levou um pontapé tão arrasador que teve o tornozelo quebrado.

Na noite de 30 de junho de 1960, o xerife assistente Richard Anderson foi ao hotel-cassino Cal-Neva, em Nevada, pegar a mulher, Toni, que trabalhava ali como garçonete. Atraente e bonita, Toni já tivera um caso com Sinatra, que era sócio do empreendimento com o mafioso Sam Giancana. Ao entrar na cozinha do hotel, Frank deparou Anderson conversando com os lavadores de pratos e mandou que ele saísse. O xerife se recusou a obedecê-lo. Eles discutiram e Sinatra levou um soco na cara que o deixou dois dias de cama. Duas semanas mais tarde, o carro em que Richard Anderson e a mulher viajavam foi abalroado numa estrada e bateu violentamente contra uma árvore. Ele morreu na hora. Jogada para fora do veiculo, ela sofreu uma série de fraturas. Claro, ninguém ao redor de Frank foi louco de insinuar o que quer que fosse a respeito do acidente.

Essas histórias típicas de gângsteres estão reunidas numa das maiores biografias já escritas: Frank, A Voz; e Sinatra, O Chefão, ambos os volumes de autoria do jornalista James Kaplan, publicados aqui pela Companhia das Letras em 2013 e 2015. O autor investiu mais de dez anos na confecção da obra. Considerando os dois tomos, a biografia soma 1.959 páginas, a guerra e paz de Francis Albert Sinatra. Marcam presença nesse trabalho monumental de investigação — eu contei — 2.371 personagens e referências a nomes que erigiram a cultura do século 20. A fim de obter o retrato mais fidedigno possível, além das pesquisas em diversos tipos de fontes, Kaplan entrevistou 160 homens e mulheres, a maioria artistas, que tiveram envolvimento direto com Sinatra. Assim, o texto é repleto de detalhes que às vezes até cansam, mas certamente resultam no compêndio mais abrangente a respeito de um ídolo pop.

Kaplan conta que decidiu escrever sobre o cantor em setembro de 2004, depois de participar de um jantar no restaurante Guido’s, em Santa Monica. Na mesa em que ele estava todos eram músicos que já haviam trabalhado com Sinatra. O que despertou o seu interesse foi que num determinado momento, quando alguém tocou no assunto, os presentes, sem exceção, falaram do cantor com admiração e respeito, ressaltando o seu profissionalismo e o seu conhecimento de música, a tonalidade transcendental de sua voz, o modo como ele inovou as letras das canções, o seu coleguismo e as suas fraquezas como ser humano. Diz James Kaplan: “Não consegui esquecer aquela noite. Ali estava uma visão de Frank Sinatra como homem e artista, sem as armadilhas e os ouropéis da celebridade, sem um traço do comportamento pelo qual ficou tão famoso e que tantas vezes parecia ser o principal, senão o único, tema de conversa.”

Claro, o traço do comportamento a que o escritor se refere é tudo aquilo que sempre ouvimos falar de Frank Sinatra e às vezes, por causa da admiração pelo artista, nos recusamos a acreditar. A vida desse ítalo-americano nascido em 12 de dezembro de 1915 em Hoboken, Nova Jérsei, daria um daqueles filmes cruéis e realistas dirigidos por Martin Scorsese, que, aliás, chegou a esboçar o projeto. O diretor não conseguiu ir em frente porque os herdeiros de Sinatra impuseram uma lista imensa de exigências, tentando impedir que a personalidade complexa do cantor fosse exposta na tela sem retoques, como o cinema de Scorsese exige.

Mas como observou Kaplan, provocar aversão era apenas parte do talento de Frank Sinatra, que era um artista de verdade, considerado gênio por boa parte da crítica. Pertencia a uma época em que era preciso provar que se tinha talento, pois a indústria cultural não fabricava isso. De temperamento reservado, durante as turnês com Harry James ele preferia se isolar dos colegas. Ficava num canto lendo, tentando captar o sentido das músicas que integravam o repertório da orquestra. Dito assim parece razoável, mas o fato é que muitos crooners não se davam a esse trabalho. Simplesmente decoravam as canções, sem acrescentar sentimento a elas. Sinatra, não. Ele passou a interpretá-las como se falasse com cada garota da plateia, como se acreditasse em tudo o que as letras das músicas diziam. Imediatamente, o jeito de cantar daquele rapaz de olhos azuis profundos se transformou em algo jamais visto, absolutamente pessoal. Anos depois alguém disse que a sua voz era uma instituição da América.

Em 31 de agosto de 1939, quando gravou a novíssima “All or Nothing at All”, de Arthur Altman e Jack Lawrence, acompanhado da orquestra de Harry James, o jovem e ambicioso Frank Sinatra soube exatamente o que fazer. Realizada nos estúdios Brunswick, em Manhattan, “All or Nothing at All” foi o seu primeiro grande sucesso pela Victor. Músicos profissionais que ouviam a faixa ficavam impressionados com a voz e o controle da respiração de Sinatra, embora ele ainda estivesse longe do que viria a ser. Um pouco mais tarde, agora já contratado pela orquestra do lendário Tommy Dorsey, Frank aprofundou a técnica da respiração observando detidamente os truques que o próprio Dorsey elaborava no trombone, que tocava como se não precisasse tomar fôlego.

Sinatra descobriu que Dorsey conseguia doses extras de ar ao respirar por um buraquinho discreto que ele fazia com o canto da boca e que ele escondia habilidosamente com a mão esquerda ao executar o instrumento. O cantor começou a treinar aquilo e logo aprendeu a tomar fôlego no meio de uma frase, coisa que a maioria dos crooners não conseguia fazer. A convivência com as grandes orquestras de jazz-swing também lhe proporcionou um timing que no decorrer dos 60 anos de carreira ele elevou à condição de arte. Nos anos 1950, Sinatra tinha atingido o auge com o domínio absoluto das possibilidades da voz. Mas não só da voz. Embora tenha trabalhado com grandes arranjadores — Alex Stordhal, Nelson Riddle, Gordon Jenkins, Billy May, Quincy Jones —, ele dava as linhas gerais do que queria em termos de sonoridade. Às vezes, no estúdio, até mesmo atuava como maestro. Era exigente ao extremo. Nelson Riddle, por exemplo, jamais conseguiu se sentir à vontade diante dele.

No início dos 1940 Sinatra estava inebriado com a fama. Cantava agora com a orquestra de Dorsey e ganhava 75 dólares por semana. Competitivo, ele trabalhara duro para alcançar essa condição de destaque, tendo como modelo o seu ídolo máximo, Bing Crosby. Em 1935, com quase 20 anos de idade, só fora aceito no Hoboken Four porque tinha um Chrysler conversível usado, presente da mãe, para dar carona aos colegas. Como Frank estava rapidamente se tornando a principal atração do grupo, de vez em quando levava uma boa sova dos companheiros para aprender o seu lugar. Enquanto a glória parecia inatingível, ele chegou a se apresentar de graça ou então em troca de cigarros e sanduíches. Num restaurante obscuro de beira de estrada foi garçom e cantor ao mesmo tempo.

Agora as adolescentes gritavam o seu nome — Frankiee!!! —, algumas chegavam a desmaiar de emoção ao vê-lo cantar. Essas cenas aconteciam de verdade, não eram fabricadas. Tommy Dorsey só acreditou mesmo quando testemunhou pessoalmente o frenesi que Frank causava: “Como pode isso? Ele não passa de um garoto magricela de orelhas grandes”, comentou. As garotas fãs de Sinatra eram chamadas de bobby-socks (meias soquetes), pois usavam saias até a barriga da perna, sapatos de duas cores e meias que cobriam os tornozelos. Durante o mês de março de 1940, elas apareciam bem cedo em frente ao teatro Paramount, em Nova York, e formavam filas imensas antes do primeiro show, que começava às nove horas, e depois permaneciam no teatro por cinco apresentações seguidas. Frank aproveitou a onda e teve a brilhante ideia de mandar servir lanches às garotas, logo após a primeira apresentação do dia. Isso o tornou mais popular ainda, a tal ponto que precisava ser escoltado pela polícia uma quadra antes de chegar ao Paramount.

Esse assédio se transformou num fenômeno inédito, iniciado de forma espontânea, mas em 1943, quando Frank já cantava sozinho, passou a ser manipulado pelo seu assessor de imprensa, um cara genial chamado George Evans. George testava garotas a fim de verificar quão alto elas podiam gritar, pagava cinco dólares a cada uma e as espalhava por pontos estratégicos do Paramount. Elas tinham que gritar em determinadas partes das canções e só precisavam dizer: “Oh, Frankie!, Oh, Frankie!”. Nos momentos certos, previamente combinados, os gritos iam formando uma onda febril que tomava conta do auditório com cinco mil garotas, isso sem contar as que estavam do lado de fora esperando a vez do próximo show. Em meados dos anos 1960, algo semelhante aconteceu com os Beatles, as garotas desmaiavam e gritavam, mas não havia mais nem sombra da espontaneidade com a qual Frank Sinatra foi contemplado no início da carreira. Em sua obra, James Kaplan flagra o momento do nascimento da cultura de massa e do culto à celebridade.

Frank só conseguiu se livrar da orquestra de Tommy Dorsey, com a qual ele tinha contrato por pelo menos por mais dez meses, porque os seus amigos da máfia puseram um revólver na cabeça do pobre Dorsey? Essa história faz parte da fama de mau que acompanha Sinatra. É claro que Tommy Dorsey não gostou nem um pouco de ser informado pelo próprio Sinatra, em fevereiro de 1942, de que ele o deixaria. Àquela altura, o cantor já estava mais do que convencido de que poderia fazer carreira solo, sem estar vinculado a uma orquestra. Dez anos mais moço, Frank idolatrava Dorsey e até mesmo o imitava no jeito de se vestir e nos hábitos pessoais. Embora duro, este o tratava como filho. A separação foi traumática para ambos. Mas de acordo com Kaplan não envolveu armas e sim advogados e meses de negociação e dinheiro, até culminar na despedida, em 3 setembro de 1942, quando Sinatra passou o posto de cantor para Dick Haymes durante o seu último programa de rádio com a orquestra de Tommy Dorsey, no Circle Theater, em Indianápolis.

Apesar do sucesso no rádio e dos discos gravados na Columbia Records, Sinatra ainda não convencera a crítica. Uma coisa era agradar as adolescentes que iam vê-lo no Paramount, outra muito diferente era conquistar o público adulto. No fim de 1943 ele já passara pelo teste de cantar acompanhado com as filarmônicas de Cleveland, Filadélfia e Los Angeles, e de ter se apresentado em casas que atraíam plateias exigentes. Em ambas as situações foi bem-sucedido. Uma noite, na Wedgwood Room do Waldorf-Astoria, foi aplaudido por ninguém menos que Cole Porter. A fama, porém, lhe trazia mais e mais aborrecimentos. Um deles vinha do preconceito por ser descendente de italianos. As constantes aporrinhações o perseguiam materializadas no jornalismo de fofocas. Embora tenha sido dispensado de servir o exército durante a Segunda Guerra Mundial por causa de uma perfuração no tímpano esquerdo e de uma mastoidite crônica, além de apresentar instabilidade emocional e estar abaixo do peso mínimo para homens de sua altura, mesmo assim o cantor foi cruelmente acusado de covarde e aproveitador.

Os intrometidos colunistas de celebridades ressoavam o que os soldados diziam a seu respeito — que enquanto eles lutavam na guerra, o carcamano ganhava dinheiro a rodo e comia as suas mulheres. Isso era verdade pelo menos no dizia respeito ao dinheiro e ao fato de se comportar como garanhão. Em 1944, de acordo com James Kaplan, Sinatra faturou pelo menos dez milhões de dólares (em valores atualizados). Em 12 de outubro desse mesmo ano, ele encheu seis apresentações consecutivas no teatro Paramount e lá fora havia pelo menos mais 30 mil garotas que queriam vê-lo a qualquer custo. A polícia não conseguia controlar aquela multidão. Foi a última vez que o teatro teve tamanho alvoroço. Apesar de estar casado com Nancy Barbato desde 1939 e ser pai de três filhos — Nancy, Frank Jr. e Tina —, o seu estilo de vida era o de um homem solteiro e rico, que aproveitava tudo o que estivesse ao seu alcance e não dispensava jamais as mulheres e o prazer. No fim dos anos 1940, Sinatra e a atriz Ava Gardner se envolveram seriamente. Ela era uma das mulheres mais cobiçadas do mundo. O romance escandaloso afundou de vez o seu casamento e resultou no divórcio concedido por Nancy em 1951.

Em 1950, Frank Sinatra figurava nos jornais como “um desertor da família”. Foi justamente nesse período, depois de quase dez anos de fama ininterrupta, que ele começou a decair e a ser considerado um nome do passado. Ele gastara dinheiro sem nenhum controle, a separação de Nancy lhe custou uma nota preta, a Columbia achava que ele não vendia mais discos como antes, o imposto de renda estava na sua cola, a sua voz passava por um colapso e começavam os rumores insistentes de que, além de Ava, ele tinha um caso com a máfia. Frank tentava fazer shows, mas as casas lhe fechavam as portas, a sua presença não enchia mais o Paramount, os amigos lhe viravam a cara. Todo mundo passa por momentos difíceis, mas a tormenta que afogava Sinatra não era só uma fase difícil, era algo assombroso, a tal ponto que agora ele podia andar pela Times Square, a encruzilhada do mundo, sem que alguém lhe pedisse um autógrafo, como de fato aconteceu. Enquanto isso, Ava estava cada vez mais bonita, mais famosa e mais rica.

Uma das cenas que jamais esquecemos é aquela de O Poderoso Chefão em que o dono de um grande estúdio de Hollywood, Jack Woltz, acorda todo ensanguentado. O volume monstruoso de sangue vem da cabeça decepada do seu cavalo de raça, que foi posta na sua cama enquanto ele dormia. Esse é o típico humor negro da máfia. Ocorre que Woltz está produzindo um grande filme e se recusa terminantemente a dar o papel principal a Johnny Fontane, um cantor de muito sucesso que está em decadência. Exatamente como Frank Sinatra. Johnny Fontane tem como padrinho Don Vito Corleone, um poderoso chefe da máfia em Nova Iorque. Depois que a cabeça decepada do cavalo vai parar na cama de Jack Woltz, Fontane consegue o papel no filme e a sua carreira é reabilitada.

A cena do cavalo ficou para sempre grudada à imagem de Frank Sinatra. No primeiro volume da biografia, Kaplan narra com detalhes que a impressão de que isso realmente aconteceu se deve à força da ficção de Mario Puzo, autor do livro e do roteiro que deu origem ao filme de Francis Ford Coppola. Na vida real, desde que leu o romance A Um Passo da Eternidade, de James Jones, Sinatra prontamente se identificou com o personagem Angelo Maggio, um soldado de origem italiana, pequeno, bêbado, piadista, viciado em jogo que servia o exército no Havaí às vésperas do ataque dos japoneses a Peal Harbor. O livro foi lançado em fevereiro de 1951 e teve um sucesso tremendo. Em março, o dono da Columbia Pictures, Harry Cohn, comprou os direitos de filmagem da obra.

Sinatra queria muito interpretar Angelo Maggio. Tinha certeza de que o personagem era o seu número. A exemplo de Johnny Fontane, Frank também era amigo de criminosos e mais tarde se associou a eles no negócio de cassinos. Sam Giancana, líder da máfia em Chicago, era seu amigo do peito. Mas desde as suas origens não havia outra alternativa para Sinatra. Hoboken, a sua cidade-natal, era território da máfia e todos ali eram influenciados por ela. Mas para interpretar Angelo Maggio em A Um Passo da Eternidade, ele conseguiu a façanha pelos próprios méritos, com o apoio do diretor Fred Zinnemann e do próprio fundador da Columbia Pictures, Harry Cohn. Em 1954, o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante restabeleceu completamente o seu prestígio, foi a sua ressurreição na vida artística.

Outro lance fundamental na carreira de Frank Sinatra ocorreu em 1953 quando Alan Livingston, vice-presidente das operações de criação da Capitol, num lance ousado, resolveu assinar contrato com o cantor, que fora dispensado pela Columbia Records. Com artimanha, Livingston aproximou Sinatra do arranjador Nelson Riddle. A junção de ambos deu origem ao que a crítica considera como uma das fases mais resplandecentes da carreira de Sinatra como cantor. Ele deixou para trás os violinos melosos de Alex Stordahl com uma série de discos revigorantes que se ouve com prazer até hoje, clássicos indiscutíveis: Swing Easy! (1954); Songs For Young Lovers (1954); Songs For Swing’s Lovers (1955); In The Wee Small Hours (1955); A Swing’ Affair! (1956). Essa boa fase foi alternada com Billy May: Come Dance With Me! (1958), Come Fly With Me (1958) e Swing Along With Me (1961); com Gordon Jenkins, No One Cares (1959); de novo com Nelson Riddle, Nice’n’Easy (1960), Sinatra’s Swing Sessions!!! And More (1961); e com Johnny Mandel, Ring a Ding Ding (1961).

James Kaplan conta que no estúdio Sinatra se tornou um profissional mais rigoroso ainda, perfeccionista. Sovina em elogios, interrompia as gravações se algo, por mínimo que fosse, não o agradava. Nelson Riddle, por exemplo, em várias ocasiões teve que fazer arranjos de última hora ou simplesmente abandonar o que estava feito. Frank controlava tudo, palpitava até na arte gráfica dos discos — com mau humor mandou refazer a capa de Come Fly With Me porque na imagem do avião aparecia o nome da companhia aérea. Outra inovação sua foram os discos temáticos a exemplo de In The Wee Small Hours, que trata do amor melancólico, inspirado no seu casamento conflituoso com Ava Gardner. Assim, Sinatra se comunicava com muitos homens que viviam amores frustrados e acabavam reconhecendo nele uma referência moral importante. O seu público agora era definitivamente adulto.

A segunda parte da biografia de James Kaplan, Sinatra, O Chefão, é a mais extensa, tem 1.212 páginas. Enquanto que o desenvolvimento artístico se concentra no primeiro volume, no segundo o leitor é apresentado ao universo humano do mito Sinatra. Ele agora é o cara que manda e desmanda, que submete todos ao seu redor com as suas explosões de raiva e exige fidelidade e a companhia incessante dos amigos já que costuma passar as noites em claro e se recusa a ficar sozinho. Sob efeito do álcool, se torna valentão. Às vezes, é provocado e parte para a agressão. Com a sua presença os ambientes ficam tensos. Certa vez, num restaurante, ele e os amigos bateram em dois caras e um deles acabou em coma. Sinatra teve de fazer um acordo com advogados envolvendo dinheiro para que o caso não chegasse aos jornais. Noutra ocasião a brincadeira inventada por ele foi a de chutar o pé do garçom para este caísse com a bandeja repleta de copos e bebidas.

As brincadeiras pesadas se estenderam ao palco dos cassinos de Las Vegas com o grupo que ele formou com os amigos Dean Martin, Sammy Davis Jr., Peter Lawford e Joey Bishop, os Rat Pack, na verdade uma invenção de Humphrey Bogart. No início, os Rat Pack representaram uma novidade e tanto. O público ficou realmente boquiaberto com o frescor daquilo, com o ineditismo, com aqueles sujeitos que se divertiam ali no palco como se não estivesse nada planejado. As imitações de Dean Martin e Sammy Davis Jr. eram hilárias. Mas com o tempo as apresentações foram ficando incômodas. Sinatra, Dean e Sammy realmente entravam no palco bêbados e o público ficava muitas vezes sem entender. Por ser negro e ainda por cima judeu e caolho, Sammy acaba sendo o alvo preferido do grupo. Aquilo cansou.

Como ator, Sinatra não tinha a mínima paciência embora tenha feito mais de 60 filmes. Ele cunhou a expressão One-Take Charlie. O que isso significa? Que em cena ele só fazia uma tomada. Poucas vezes Sinatra se dedicou seriamente ao cinema. Ao atuar com Gene Kelly em Marujos do Amor (1945), Um Dia em Nova York (1949) e em A Bela Ditadora (1949). Profissional dedicado, Gene Kelly o ensinou a dançar e o fazia ensaiar exaustivamente. Claro, ele se esmerou na pele do personagem Angelo Maggio em A Um Passo da Eternidade (1953), tentou faturar o Oscar de Melhor Ator com O Homem do Braço de Ouro (1955), em que faz um baterista de jazz viciado em heroína, um trabalho comovente. No entanto, acabou perdendo para Ernest Borgnine, que interpretou o açougueiro Marty Piletti em Marty. Em Eles e Elas (1955), a concentração excessiva de Marlon Brando, que exigia tudo de uma cena, irritou Sinatra profundamente, mas ele teve que se submeter ao perfeccionismo do outro. Outro grande filme em que atuou e se dedicou reverente ao diretor John Frankenheimer foi Sob o Domínio do Mal (1962).

Um dos grandes momentos no segundo volume da biografia escrita por Kaplan é o envolvimento de Frank Sinatra com o então senador e depois presidente John F. Kennedy. Militante democrata desde a adolescência — a sua mãe, Dolly, era representante dos democratas e tinha grande influência política em Hoboken —, a aproximação dele com Kennedy, cujo nome surgia com força na política americana, era motivada, principalmente, pela vaidade. Simplório, Frank queria ser amigo do futuro presidente dos Estados Unidos da América; Kennedy, por sua vez, queria ter acesso a belas mulheres, mas de modo discreto. O bajulador Sinatra desempenhou como ninguém o papel de proxeneta e apresentou Kennedy a várias atrizes, incluindo Marilyn Monroe.

Vista por dentro, a família Kennedy mantém relações com a máfia e com as drogas. O próprio futuro presidente cheirava cocaína. Frank fez de tudo para que ele fosse eleito, usou todo o seu prestígio, empenhou o nome como artista. Além da biografia, esse episódio da vida de Sinatra foi abordado com realismo no filme Os Maiorais (direção de Rob Cohen, 1998). Depois de eleito, aconselhado a se distanciar de Sinatra por causa do seu envolvimento notório com a máfia, Kennedy deixou de se hospedar na casa do cantor em Palm Springs, que foi toda reformada para recebê-lo. Sinatra teve de engolir isso e jamais pôde se aproximar de novo de Kennedy.

A partir de meados dos anos 1960, Frank Sinatra vai sendo superado pela contracultura. Agora, além de Elvis Presley, surgido nos anos 1950, ele tinha que se preocupar com os Beatles e logo em seguida com o rock, que verdadeiramente detesta. Seus discos não vendem mais como antes e as grandes gravações que ele fez do great american songbook — ele gravou ao todo 1.300 músicas — foram substituídas por xaropadas como Strangers in the Night (1966) e My Way (1969), ambas grandes sucessos. Ele odiava Strangers in the Night. “Essa música é coisa de bicha, dizia. E se recusou a ficar repetindo a letra, substituindo-a por “tchu bidu bidu”. Mas em dezembro de 1966, procurando novos caminhos musicais, Sinatra convoca Tom Jobim e grava um grande disco, dessa vez com bossa nova, que é lançado em 1967: Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim.

Dois anos depois, Sinatra chama de novo Tom Jobim a fim de gravar um novo disco, dessa vez com arranjos de Eumir Deodato. As dez faixas do novo trabalho foram gravadas nas noites de 11, 12 e 13 de fevereiro de 1969, um disco belíssimo, segundo quem ouviu. James Kaplan conta que quando o álbum ficou pronto, Sinatra ou alguém de sua equipe implicou com… Bem, ele e Jobim gravaram, entre outras, “Samba de Uma Nota Só”, “Água de Beber”, “Bonita”, “Wave”, “Sabiá” e “Desafinado”… Em relação a esta canção havia, talvez, uma conotação homossexual no modo como ambos a cantaram e Frank ficou preocupado com isso. Em 1971, a Reprise, gravadora de Sinatra, acabou lançando apenas sete das dez músicas gravadas naquela ocasião no lado A de um álbum de Sinatra e Don Costa intitulado Sinatra & Company. O disco naufragou.

Mas agora Sinatra viajava o mundo fazendo grandes shows (esteve inclusive no Brasil, em 1980). Ele tinha um domínio espetacular do público, uma presença sensacional, esbanjava charme, e, por incrível que pareça, cada vez mais começou a atrair gente de todas as idades, do mais simples mortal a reis e rainhas. A sua voz continuava estupenda, embora um pouco cansada. No palco, era irreverente. Às vezes, esquecia onde o local estava se apresentando e perguntava ao microfone: “Qual é o mesmo o nome desta espelunca?”. O público adorava. Como escreveu um crítico, Frank Sinatra era o maior espetáculo da Terra.

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