A Imaginação é o Horror

Uma novela de fantasmas, com camadas e camadas superpostas de “ângulos” para a mesma história

Uma governanta é encarregada de velar por um casal de crianças numa região do interior da Inglaterra. A princípio, tudo parece normal – até que fatos estranhos passam a ocorrer…

Esse início do enredo de A Volta do Parafuso (The Turn of the Screw), de Henry James, promete muito mais do que pode parecer. Para começar, há a técnica tão jamesiana dos pontos de vista. Logo de entrada, travamos conhecimento com uma roda de amigos que contam histórias de fantasmas uns aos outros. Após a narrativa de um, outro deles alude a uma história assustadora que em certa época lhe foi revelada. Então, apanha um manuscrito com o relato do episódio, feito por uma antiga governanta de duas crianças.

Só aí temos: o ponto de vista do narrador inicial, um dos amigos da roda, que descreve a reunião com as “histórias de fantasmas” e menciona Douglas, que surge falando no manuscrito; o ponto de vista do próprio Douglas, testemunha da governanta; e, por fim, pelo restante do livro, o ponto de vista da governanta: sua narrativa na primeira pessoa, que é a leitura do manuscrito em voz alta feita por Douglas.

Isso sem falar no narrador oculto, o orquestrador de tudo isso: o próprio Henry James, a esconder-se por trás de todas essas diferentes vozes.

Sendo assim, temos uma novela de fantasmas, com camadas e camadas superpostas de “ângulos” para a mesma história. Nenhum desses ângulos – o fato de percebermos que são “ângulos” já o denuncia – é onisciente ou imparcial. James nos convida a ler A Volta do Parafuso com atenção redobrada, buscando a verdade que subjaz debaixo de tantos disfarces, tantos olhares, tantos pontos de vista.

A técnica assemelha-se a acender uma série de lâmpadas espalhadas num cômodo: nenhuma delas o ilumina plenamente, mas cada uma ilumina algo, fornecendo-nos assim uma “luz” para o fato ou fatos revelados.Uma das maiores, senão a maior, qualidade literária de A Volta do Parafuso está em que não “vemos” nada, ou por outra, que “vemos” muito pouco: há mais evocação do insólito do que corporificação dele; mais alusão aos fantasmas do que descrição dos mesmos; mais a sensação de estarmos na presença do mal do que objetivação desse mal.

O que é sugerido é muito mais aterrorizante do que aquilo que é visto; nossa imaginação constrói, amplia, dá substância às insinuações; a imaginação pode criar o terrífico num grau superior a qualquer esforço descritivo…

A Volta do Parafuso não foi a única incursão de James no fantástico, ou no terror. Ele escreveu outras histórias, a maioria curtas, evocando ora o terrível, ora o apenas estranho. Mas A Volta do Parafuso se destaca como talvez a mais bem acabada de suas novelas no gênero.

O crítico Edmund Wilson julgava que o testemunho da governanta era o mais suspeito, levantando a hipótese de recalques e frustração sexual que estariam na origem dos “fantasmas” vistos por ela. A teoria de Wilson tem seus admiradores (eu não sou uma delas). Que julgue o leitor. O que fica é aquilo que James, e Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, sabiam e que o grande detetive chega a dizer numa de suas aventuras: “Onde não há imaginação, não há horror”.

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