Relicário | Vanessa Barbara

Vanessa Barbara marca trechos que gosta com a unha, lê hortaliçamente e um dia vai pedir carteirinhas para emprestar livros aos amigos, “favor apresentar comprovante de residência, RG, etc…”

Ler não é só ler, um livro não é só um livro. Cada um se relaciona de forma diferente com o objeto livro, colecionando, protegendo ou rabiscando — e as histórias e as ideias que eles trazem vão ser parte de conversas, vão ser fonte de lembranças. A arte também é uma relação afetiva. É desse lado, desse relacionamento, que a seção Relicário trata. Neste mês, entrevistamos a escritora Vanessa Barbara, autora de O Livro Amarelo do Terminal, colunista de O Estado de S.Paulo e colaboradora da Piaui.

Vanessa Barbara nasceu em 1982, em São Paulo. Formada em jornalismo, colabora com jornais e com a revista Piauí. Edita o blog A Hortaliça, com trechos de livros, além de ser tradutora. O Verão do Chibo foi seu primeiro romance, em que contou com a parceria de Emilio Fraia, que mantinha a revista digital Givago.

Como você guarda seus livros? Organiza segundo algum critério ou não? Encapa ou usa algum tipo de proteção?

Organizo por ordem alfabética de sobrenome de autor, o que é uma dor de cabeça na hora de catalogar os Schwarcz, Schnitzler e Schmidt. Temos também uma estante A (mais à mão) e uma estante B, que fica ao alcance de uma escada, e gostamos de poder relegar um autor à primeira ou à segunda categoria. É legal poder julgar um escritor. O Saramago, por exemplo, está mal acostumado e foi para a estante B só por despeito. Temos também a estante temática de quadrinhos na sala, que está em ordem sentimental. Não encapo nada, mas vivo tirando o pó dos livros.

Qual a sua relação física com os livros? Anota nas páginas, quando dá de presente, faz dedicatórias? Ou acha que tudo isso estraga o livro?

Às vezes morro de dó de “machucar” os livros, mas os que eu mais gosto estão bem gastos, anotados e marcados. Acho bom. Gosto de fazer dedicatórias e marcar com a unha os trechos mais legais (o Emilio Fraia que me ensinou).

Você empresta livros? Se sim, por quê; se não, por quê.

Empresto, todos. Eles estão aí pra isso. Um dia quero fazer um esquema em que meus amigos terão carteirinha da biblioteca, e a devolução estará prevista para dali a quinze dias, favor apresentar comprovante de residência, RG etc.

Você dá livros de presente? Dá os livros que você mesmo gostou ou tenta descobrir o que a pessoa gostaria?

Gosto muito de dar livros que eu ainda não tenho e quero ler, pra depois pedir emprestado. É sério. Mas a tática principal é sempre tentar escolher um livro que a pessoa vá gostar, do gênero preferido dela, enfim. Às vezes também indico alguma coisa que eu li e adorei, e que me parece a cara da pessoa.

Qual a sua relação com o conteúdo dos livros? Usa algum método para não esquecer do que leu? Costuma reler ou não? Copia citações ou conta para os outros as partes que lhe marcaram?

Eu sou a rainha de copiar citações bestas, sem sentido ou esquisitas. Por isso fiz A Hortaliça (www.hortifruti.org) para reunir esses trechos aleatórios de coisas que estou lendo, por exemplo, a parte em que a Ana Karenina recebe o marido na estação e pensa: “Meu Deus! Por que lhe terão crescido tanto as orelhas?”. Adoro ler um livro hortaliçalmente, ou seja, tirando partes do contexto e achando-as imensamente engraçadas.

Você se lembra do primeiro livro que leu? Foi uma experiência marcante? Se não, qual foi a primeira experiência marcante que teve com livros?

Lembro de um livro chamado Araújo Ama Ofélia, sobre dois velhinhos e uma árvore. Foi um dos primeiros, acho. Eu lia muito Monteiro Lobato e minha mãe contava as histórias do Dom Camilo pra mim. Pensando bem, ela lia qualquer coisa pra mim porque sabia contar as histórias muito bem. Lembrei agora de um livro de arqueologia que a gente leu quando eu era bem pequena, sabe-se lá por que motivo…

Os livros que lê fazem parte das suas conversas? Seu grupo de amigos costuma ter discussões em torno dos livros, mesmo em momentos de descontração?

Às vezes. Eu gosto de conversar com o André Conti (meu marido) sobre as coisas que ele leu, a história da adenóide gigante do Pynchon, a batata da sorte do sr. Bloom, o homem azul gigante e pelado de Watchmen etc.

Acha que o livro, como objeto, pode ser trocado por um ebook? Se acha que não, isso não seria possível mesmo com o Kindle, que imita uma página de livro, não emite luz e baixa quantos livros quisermos?

Os dois vão continuar existindo. Eu leio tanto no computador quanto no papel e tudo depende da ocasião. Assim como a gente tem os livros mais leves pra levar em consulta médica, os livros de crônica pra ler no ônibus, os mais pesados pra antes de dormir, um pequeno pra levar no bolso, um de quadrinhos pra ler tomando café etc.

Qual livro que ainda não leu (ou que quer reler) gostaria que fosse seu último?

Que pergunta mórbida! Talvez o livro do Apocalipse, que é pra já entrar no clima.

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