Relicário | Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki fala sobre suas três estantes (cada qual pra cada coisa), das dedicatórias escritas em hieróglifos e torres de Pisa ao lado do computador

Ler não é só ler, um livro não é só um livro. Cada um se relaciona de forma diferente com o objeto livro, colecionando, protegendo ou rabiscando — e as histórias e as ideias que eles trazem vão ser parte de conversas, vão ser fonte de lembranças. A arte também é uma relação afetiva. É desse lado, desse relacionamento, que a seção Relicário trata. Neste mês, entrevistamos o blogueiro Alexandre Inagaki, autor de Pensar Enlouquece, Pense Nisso, um dos mais importantes blogs do País. Inagaki tem um estilo de crônica e crítica que é claro, divertido e intertextual, no sentido em que dialoga com diversas referências, compartilhando-as com o leitor. Tem um gosto pelo inusitado, pelo curioso e pelo simples, mas ao mesmo tempo tocante.

De acordo com ele próprio, no seu perfil no Me Adiciona: ” Alexandre Inagaki já foi analista de câmbio, gerente de locadora de vídeo, escritor de mangá e garoto de programa, tendo anunciado seu corpo com a alcunha de Samurai do Amor. Hoje, está finalmente recuperado para o convívio com a sociedade, após ter frequentado reuniões dos Mentirosos Anônimos. Luta arduamente para ser reconhecido como mais do que apenas um rostinho bonitinho”.

Como você guarda seus livros? Organiza segundo algum critério ou não? Encapa ou usa algum tipo de proteção?

Tenho três estantes. Uma para livros de não-ficção, outra para poesia, a terceira para prosas. Todos organizados por ordem alfabética de sobrenomes. Tudo muito bem arrumado; na teoria, é claro. Na prática, minha biblioteca pessoal cresce constantemente. Acrescente-se a isso meu hábito de ler três a quatro livros simultaneamente, e o resultado é que acabo formando várias Torres de Pisa de volumes amontoados ao lado do computador, que volta e meia oscilam perigosamente ameaçando desabar a qualquer momento. Não os encapo; prefiro deixá-los com as capas originais, mais bonitas.

Qual a sua relação física com os livros? Anota nas páginas, quando dá de presente, faz dedicatórias? Ou acha que tudo isso estraga o livro?

Dedicatórias são obrigatórias em cada livro presenteado. Afinal de contas, presentes devem ser pessoais, e poucas coisas na vida são tão prazerosas quanto escrever coisas bacanas para as pessoas que me são caras. O único problema reside no fato de que minha caligrafia, após anos habituado a digitar palavras em vez de escrevê-las, é cada vez mais hieroglífica, e não foram raras as vezes em que precisei traduzir um e outro garrancho.

Com relação a anotações, meus volumes estão repletos de observações, questionamentos, interjeições, grifos. São o testemunho da minha passagem pelas páginas de um livro. Aliás, mais de uma vez já me peguei relendo algum romance, me deparando com anotações anteriores que contestei ou reiterei, fazendo novos apontamentos em uma espécie de diálogo com o leitor que fui em minha primeira jornada por aquelas palavras e entrelinhas. Só uma observação: sempre faço anotações a lápis, permitindo que os futuros donos dos meus livros possam apagar as bobagens que eventualmente deixei nalguma margem de página.

Você empresta livros? Se sim, por quê; se não, por quê.

Há certos livros, como minha edição em capa dura de O Jogo da Amarelinha ou meu exemplar autografado de Toda Mafalda do Quino, que jamais emprestarei. Até poderão ser lidos por outras pessoas, desde que não saiam do alcance da minha visão. De resto, até empresto de bom grado os títulos que não pertencem a esse índex proibido.

Você dá livros de presente? Dá os livros que você mesmo gostou ou tenta descobrir o que a pessoa gostaria?

Costumo fazer uma investigação prévia antes de presentear um amigo. Com a internet, essa tarefa tornou-se bem mais simples; navegando-se pelos perfis em algumas redes sociais, é possível garimpar muitas informações úteis na hora de decidir se devo comprar um Ray Bradbury, uma Clarice Lispector ou um Gay Talese para alguém especial. Porém, só presenteio amigos com livros que já li e aprovei. Se as predileções literárias de um camarada passam por estantes de auto-ajuda ou espiritismo, melhor dar um DVD ou um perfume.

Qual a sua relação com o conteúdo dos livros? Usa algum método para não esquecer do que leu? Costuma reler ou não? Copia citações ou conta para os outros as partes que lhe marcaram?

No século passado, eu mantinha o hábito de transcrever parágrafos inteiros em cadernos atualmente amarelados. Depois, passei a digitar meus trechos prediletos e gravá-los em disquetes, itens que hoje pertencem ao “museu de grandes novidades” profetizado pelo Cazuza. Atualmente guardo esses trechos e citações em uma pasta do meu Gmail.

Você se lembra do primeiro livro que leu? Foi uma experiência marcante? Se não, qual foi a primeira experiência marcante que teve com livros?

Eu devia ter uns 3 ou 4 anos de idade quando ganhei da tia Marta, minha primeira professora, um livro chamado A Margarida Friorenta, escrito por Fernanda Lopes de Almeida. Era a história de uma flor que à noite tremia e chorava de tanto frio que sentia. Tudo resolvido graças ao carinho de uma menininha, que dá um beijo na margarida e faz com que o frio vá embora.

Os livros que lê fazem parte das suas conversas? Seu grupo de amigos costuma ter discussões em torno dos livros, mesmo em momentos de descontração?

Devo confessar que hoje em dia as conversas com meus amigos giram mais em torno de blogs, Twitter e outras mídias sociais, por conta do círculo de amizades que fiz nestes anos trabalhando com internet e das minhas atividades profissionais. Mas é claro que livros ainda fazem parte das minhas conversas em casas de amigos e mesas de bar, do mesmo modo que falo de filmes, músicas, relacionamentos e outros assuntos cotidianos.

Acha que o livro, como objeto, pode ser trocado por um ebook? Se acha que não, isso não seria possível mesmo com o Kindle, que imita uma página de livro, não emite luz e baixa quantos livros quisermos?

As atuais tecnologias ainda não foram capazes de mimetizar o cheiro de um livro, a sensação tátil de folhear uma página, o mesmo prazer de se desfrutar de uma boa leitura à beira de uma praia, na poltrona de um avião, no silêncio de uma madrugada. Mas sei que estão chegando perto disso; ainda não experimentei a nova versão do Kindle, e não posso dizer muito a respeito. Não chegarei ao ponto de afirmar peremptoriamente que nada será capaz de substituir volumes impressos, porque não sou desses saudosistas que dizem que vinis são muito melhores que quaisquer Mp3 players. Sei que meus discos (e CDs) hoje jazem em estantes empoeiradas, e só não me desfaço deles por questões sentimentais. Do mesmo modo, há livros que ficarão comigo até que eu já não esteja mais neste mundo.

Qual livro que ainda não leu (ou que quer reler) gostaria que fosse seu último?

Pergunta complicada, hein? Mas, enfim, provavelmente optaria por reler uma compilação de versos de algum dos meus poetas prediletos: João Cabral, T.S. Eliot, Baudelaire, Federico García Lorca, Philip Larkin, Fernando Pessoa. Ou Drummond, que cunhou um dos poemas mais belos de toda a literatura universal, cujos versos finais afirmam: as coisas tangíveis/ tornam-se insensíveis/ à palma da mão./ Mas as coisas findas,/ muito mais que lindas,/ essas ficarão.

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