Performance: o não-lugar

A performance subverte regras e traz outros suportes para si. A performance é o lugar da exclusão

A performance engendra polêmicas até mesmo quanto ao nome que se dá a mesma. Ora é simplificada no termo “ação”, que cria a ilusão de deixar de lado qualquer suposta especificidade do termo performance; ora é chamada de happening, trazendo consigo a carga historica do termo que designa um movimento da década de 1950, assim cunhado por Allan Kaprow. Em um outro momento, a performance se deixa denominar por aqueles não tão preocupados com as categorias, mas sim com a expressão e suas reverberações, simplesmente performance.

A polêmica criada em torno da performance se dá pela abrangência das expressões que comporta como categoria. A obra “Antropometria” de Yves Klein de 1949, por exemplo, questiona não só o lugar da arte como um todo, mas ainda subverte aquilo que até então se denomina pintura, fazendo do corpo o pincél, e criando ainda uma obra que é ao mesmo tempo autônoma e documental da performance realisada: a pintura onde transparecem os corpos das modelos. Klein retira a obra de arte de seu lugar comum, seguindo os preceitos de Kaprow de que o happening seja uma combinação entre as artes visuais e uma espécia de teatro do improviso.

Em outro extremo da performance, já na década de 1960, nos deparamos com as ações escatológicas da body art dos Acionistas Vienenses. O vale-tudo de Duchamp, que já na década de 1920 afirmava que até mesmo o corpo poderia ser usado como suporte na arte, foi levado ao extremo pelos Acionistas, que expressavam-se com extrema violência chegando até a automulitação. Muito dessas ações permeiam a performance na atualidade, como visto no Grupo Empresa que usa o sangue de seus próprios artistas em muitas de suas ações; realizando transfusões de sangue ao vivo, ou ingerindo o sangue de seus companheiros.

Como se vê, toda esta abrangência que percorre a delicadeza do trabalho de Klein até a brutalidade dos Acionistas, configuram um campo de análise quase que inalcansável. Desta impossibilidade de categorizar os diversos trabalhos surgem as seguintes questões: pode ser considerado performance toda e qualquer expressão que utilize o corpo como suporte? Quais os limites que demarcam o mínimo e o máximo para dar lugar à uma expressão performática? Talvez a resposta seja, nesse momento da história da arte e da sociedade que a absorve, nenhuma. A performance encontrasse em um período de transição, de mudanças que vem sendo lentamente absorvidas desde Duchamp e que são agora, aglutinadas nestas questões que surgem em conjunto com outras questões suscitadas pelo corpo dentro da sociedade multipla em que vivemos: como as questões da violência, da sexualidade e da plasticidade do corpo, dentre outras tantas.

Criando um paralelo com a crise sofrida pela escultura à partir da década de 60, e apoiando-nos na análise desta crise feita por Rosalind Krauss em “A Escultura no Campo Ampliado”, podemos compreender um pouco do que ocorre com a performance agora. Diante da ideia do monumento atrelado a escultura, analisar obras escultóricas que deixam de possuir um pedestal, ou se tornam apenas o pedestal; ou ainda objetos escultóricos que ao em vez de tornarem-se marcos, se confundem com a paisagem; torna-se quase que impossível. Krauss cria um jogo matemático de termos opostos para definir estes objetos escultóricos que não mais cabiam dentro do termo escultura. Assim, ela afirma que:

“A não-arquitetura é simplesmente uma outra maneira de expressar o termo paisagem, e não-paisagem é simplesmente arquitetura.”

Indo mais a fundo na questão da negação, Krauss explica que:

“… a escultura assumiu sua total condição de lógica inversa para se tornar pura negatividade, ou seja, a combinação de exclusões… deixou de ser algo positivo para se transformar na categoria resultante da soma da não-paisagem com a não-arquitetura.”

Podemos trazer para a performance esta mesma negação, e assim encontrar um espaço para cada expressão que usa o corpo como suporte. À performance conectaram-se, ao longo do tempo, especificidades das mais diversas áreas, como a dança, o teatro e até cinematográficas. Admitindo o que é renegado pelo teatro, o que no cinema não encontra público, o que a música vê como barulho, e o que tantas outras categorias não suportam, a performance surge como um lugar de negação; logo, a performance é um não-lugar.

Diante de tal constatação, discutir a forma e conteúdo da performance, se põe como um paradoxo; é como discutir o lugar do não-lugar. Já que a performance descontextualiza o lugar da arte em todos os seus sentidos. Ela subverte regras e traz ainda outros suportes para si. O não-lugar, pela própria carga semiótica da palavra, constitui uma abertura para tudo aquilo que não encontra lugar em outras formas de expressão; a performance é o lugar da exclusão.

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