Da Pesquisa Brasileira | Vinícius Amaral: Antropologia, Masculinidades e o Jovem de Periferia

“A curiosidade é a força motriz do pesquisador, portanto, eu pesquiso porque sou curioso”

“Tento entender como jovens nascidos em periferia e que estão em cumprimento de medida socioeducativa em regime aberto produzem seus modelos de masculinidade a partir do risco ou da ‘vida loka'” | imagem: Instagram

Vinícius Amaral é doutorando em antropologia social pela Universidade de São Paulo (USP), em que produz a tese “Ela veio quente, hoje eu tô fervendo: um estudo sobre a produção de masculinidades negras no funk paulistano” e mestre e graduado em ciências sociais pela Pontíficia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atua também como curador de hábitos e tendências no Centro Cultural São Paulo e integra a banda Todomundo. Vinícius comentou à Úrsula como suas inquietações construíram o seu momento atual como pesquisador – nesse momento, é interessante perceber como um aparte na defesa do mestrado se desdobra, unida a preocupações pessoais, em um projeto de doutorado. Além de tratar de como produz no dia a dia, ele reflete sobre os possíveis impactos do seu trabalho e sobre o o significado de pesquisar, qual seja, “contribuir para o crescimento social e individual das pessoas, criar ferramentas para que possamos olhar para a forma como o mundo está organizado e entender que não há nada de natural na forma como vivemos”.

Quais seus interesses atuais, o que te levou a eles e o que pretende realizar?

Para começar, acho importante contar um pouco da minha trajetória como pesquisador. Quando entrei no curso de ciências sociais e comecei a ter contato com o universo de pesquisa na universidade por meio da iniciação científica na primeira década dos anos 2000, meu interesse era o crescimento e o impacto das novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs) nos ativismos políticos, muito na chave dos estudos de política e cultura digital. Levei este tema até o mestrado, quando defendi a dissertação “Os caminhos da cultura digital: a emergência de novas práticas e enunciados políticos”.

No dia da defesa a banca me fez um alerta de que havia um excesso de “culturalismo” nas minhas análises, ou seja, a cultura digital em si havia tomado um espaço maior do que as práticas políticas que eram produzidas através de seus meios. 

Fiquei amadurecendo essa reflexão durante seis anos até entender que, provavelmente, uma pesquisa de doutorado na antropologia faria muito mais sentido na busca de respostas para as minhas inquietações. Foi neste período também que fui atravessado pelos estudos de marcadores sociais da diferença, principalmente, pela intersecção de raça, gênero e classe, com foco nos estudos sobre masculinidades.

Digo atravessado, porque o meu interesse em pesquisar este tema se deu a partir das minhas próprias inquietações pessoais com os modos de produção de masculinidades em contextos periféricos nos quais eu estava inserido, o que me levou a produzir pequenos textos sobre o assunto, que depois deram insumo para a construção do projeto de doutorado.

Em resumo, tento entender como jovens nascidos em periferia e que estão em cumprimento de medida socioeducativa em regime aberto produzem seus modelos de masculinidade a partir do risco ou da “vida loka”. Para isso, venho realizando incursões etnográficas em um centro de medida socioeducativa (MSE), conversando e convivendo com os jovens, suas famílias e os técnicos responsáveis pelo controle de cumprimento da medida.

Como é a sua rotina de trabalho? Que infraestrutura (financiamento etc) a mantém?

Entrei no doutorado em 2018, ano no qual Jair Bolsonaro se elegeu presidente e acelerou o desmonte da educação pública e da pesquisa no Brasil, portanto, não tentei nenhuma bolsa de auxílio financeiro para o desenvolvimento do trabalho. Além disso, nunca fui um acadêmico profissional, daquelas pessoas que se dedicam exclusivamente à produção acadêmica. Sempre estive envolvido com coletivos político-culturais em São Paulo e quando decidi fazer o doutorado eu estava trabalhando no mercado cultural em regime CLT, então tento conciliar a vida acadêmica e a profissional, mesmo tendo perdido o trabalho CLT em 2021.

Minha rotina de trabalho varia muito, tem meses que consigo escrever todos os dias durante, pelo menos, seis horas. Tem meses que leio, organizo bibliografia, faço cartografia de conceitos etc. O que menos consegui fazer até agora foi a etnografia, que é o mais importante para um antropólogo. A pandemia de covid-19 começou bem no momento em que estava me inserindo no campo, impedindo o contato com os interlocutores e interlocutoras. Tentei durante alguns meses me aproximar deles virtualmente, mas, se tratando de pessoas de baixa renda, as novas tecnologias apareceram como limitação para o desenvolvimento do trabalho de campo. A esperança é retornar ao campo em 2022. Vamos ver!

Como você explicaria a importância, o fascínio do seu interesse de pesquisa a um leigo?

Um pesquisador ou pesquisadora é sempre um curioso ou curiosa. Qualquer pessoa que seja movida pela curiosidade pode pesquisar.

Eu fico fascinado com a descoberta, com as lacunas que não consigo preencher, com o entrelace dos conceitos para formar uma ideia de mundo, e ultimamente tenho me interessado muito pelo processo de transmissão do pensamento, principalmente através da escrita. Como antropólogo, a escrita e a linguagem são fatores fundamentais na própria produção do trabalho científico. Não só pela necessidade de entrega da tese por meio de um texto, mas também pelo próprio ato da escrita ser parte constitutiva da pesquisa e não resultado.

Então, tentando explicar para um leigo, eu diria que a importância da pesquisa está no fato do mundo e os nele viventes sempre oferecerem problemas, lacunas, vácuos e questões que nos estimulam a pensar. Justamente por isso, a curiosidade é a força motriz do pesquisador, portanto, eu pesquiso porque sou curioso.

Quais impactos você enxerga na sua pesquisa? Na área, para a sociedade, entre outros.

É sempre difícil falar sobre o que esperamos das nossas pesquisas, até porque sempre tenho a sensação de que ela não é minha, mas sim de todas as pessoas que que contribuíram para a construção do trabalho, eu sou só “cavalo da escrita” – fazendo aqui uma alusão às religiões de matriz africana em que a pessoa “médium” só carrega o energia e a palavra das entidades que a cercam. 

Mas penso que nos estudos sobre masculinidades em geral, há uma lacuna que pretendo ajudar a preencher com a minha pesquisa. Essa lacuna é referente aos estudos sobre produção de masculinidades ressaltando diferenças geracionais e etárias na produção das subjetividades masculinas, sendo assim, tenho interesse na faixa etária de 13 à 18 anos, jovens que vivem nas periferias e cujas experiências de vida se dão nas fronteiras entre a legalidade e a ilegalidade nas práticas socioeconômicas.

Por que pesquisar?

Porque o mundo muda, nós mudamos e sempre há coisas novas para descobrirmos e conectarmos. Pesquisar é contribuir para o crescimento social e individual das pessoas, é criar ferramentas para que possamos olhar para a forma como o mundo está organizado e entender que não há nada de natural na forma como vivemos. Pesquisar é desmistificar uma série de comportamentos e modos de pensar que muitas vezes cristalizamos como algo normal. 

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