No Chão da Escola: Carla França e a reflexão crítica sobre a prática

“Ser educadora é inovar em minha prática pedagógica para exercer a profissão com leveza, segurança e autonomia”

A professora Carla França

Tem gente que nasce pra coisa. Na infância e na adolescência, Carla França já gostava de cuidar dos mais pequenos e até deu aulas de reforço. Nascida no Rio de Janeiro, mas moradora de Recife, em Pernambuco, desde os 11 anos, ela acabaria – como não poderia deixar de ser, tinha lhe dito uma amiga! – formada em pedagogia e pós-graduada em Gestão Educacional. Carla atua como professora do Ensino Fundamental em duas unidades – pela manhã, em uma escola pública de Jaboatão dos Guararapes e, à tarde, em uma escola privada na cidade de Recife – e conversou com a Úrsula sobre a sua trajetória. Na sua entrevista, ela destaca a cisão entre teoria e prática, acusa problemas de infraestrutura e descreve suas metas em educação: “Eu, como educadora, busco, com esforço, dedicação e disponibilidade, ampliar possibilidades para que minhas crianças aprendam e reflitam com criticidade”.

O que te atraiu para a educação?

Quando eu comecei a trabalhar, atuei em diferentes áreas do comércio, mas sentia e sabia que ali não era o meu lugar. Desde criança eu preferia brincar com as crianças menores do que eu, porque eu gostava de contribuir de alguma maneira para o desenvolvimento das pequenas, seja ajudando na tarefinha de casa, ensinando a amarrar os cadarços dos sapatos, cuidando e acolhendo quando elas caiam ou estavam tristes. Foi então que eu decidi dar aula de reforço na minha casa, na verdade, acho que tava mais pra uma brincadeira de escolinha. Na época, acho que eu tinha uns 14 anos de idade e não cobrava nada por isso, já era tão significativo e gratificante para mim estar com aquelas crianças e perceber que o pouquinho que eu estava fazendo por elas valia muito a pena. Eu organizava um espaço da casa com os materiais escolares necessários para a vivência. E o tempo passou…

Algo já te tentou a deixar a educação? O quê? O que te faz permanecer na educação?

Durante uma conversa com uma prima que me conhece muito bem, estávamos discutindo sobre profissões, escolhendo o curso para iniciarmos a graduação. Eu, muito indecisa, fui interrompida por ela, que gritou: “Pedagogia, Carla, é esse o curso pra você… você ama crianças, não pode ver uma na rua que quer abraçar, quer levar pra casa…”.

Pesquisei um pouco sobre o curso, gostei muito e na outra semana já fui me matricular em uma faculdade pertinho da minha casa. Iniciei o curso de Pedagogia em 2008 e me encantei… é tudo muito lindo na teoria.

Em 2010 comecei a atuar na área da educação como estagiária em uma instituição privada. No ano seguinte passei a uma escola municipal do bairro onde eu morava. Foi então que eu percebi que na prática era bem diferente e que, diariamente, mesmo estando com o planejamento semanal em mãos, precisamos reinventar, recriar e inovar, pois ensinar exige reflexão crítica sobre a prática.

E estou atuando até hoje na área da educação, atualmente em dois espaços, assim como em 2008: numa instituição pública no horário da manhã com uma turma de 2º ano do Ensino Fundamental e em outra particular no horário da tarde, com uma turma de 1º ano do Ensino Fundamental.

Em nenhum momento cogitei sair de onde eu estou. Amo muito estar com minhas crianças, caminhar juntinho durante o desenvolvimento das atividades propostas, das vivências. Como é gratificante identificar os avanços durante as etapas de trabalho, como é gostoso aprender com elas, amo cada experiência adquirida durante esses 12 anos na área da educação. Acredito que isso contribuiu para a minha permanência nessa área. Mesmo diante de tantas dificuldades e desafios, eu tenho certeza que escolhi a profissão certa pra mim.

Às vezes os professores criticam certas opiniões sobre a escola indicando que os críticos não conhecem o “chão da escola”. Como você define esse chão da escola? O que ele tem de particular?

Como eu disse anteriormente, isso tem a ver com relação a teoria x prática. Quando a gente inicia o curso de graduação, se depara com as teorias dos filósofos e fica encantada com as ideias, mas quando chega na realidade, principalmente a de escolas da rede pública, percebe que fica difícil atuar na prática, visto que não temos os recursos adequados para desenvolver as atividades planejadas e muitas vezes nós professoras temos que assumir dívidas que não são nossas.

Ainda nesse sentido, o que as políticas públicas ou as ações dos governos poderiam entender melhor na abordagem das questões escolares?

Acho que só consegue entender bem sobre o “chão da escola” quem está por lá diariamente, participando da rotina escolar, descobrindo a cada dia uma história de vida diferente das nossas crianças. Algumas chegam cansadas, com sono e fome, sem materiais escolares, sem condições de raciocinar bem, com muita dificuldade em compreender os conteúdos propostos. E, quando falta água, as crianças voltam para casa e perdem um dia de aula e por aí vai.

Infelizmente, a educação básica do nosso país está bem longe de ser valorizada, o governo não exerce o seu papel em desenvolver programas de qualidade, que contribuam para o bem-estar tanto dos estudantes quanto dos profissionais da educação envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Como não temos tempo a perder, as crianças necessitam, com urgência, do nosso apoio e ajuda para acompanhar o desempenho. Eu, como educadora, busco, com esforço, dedicação e disponibilidade, ampliar possibilidades para que minhas crianças aprendam e reflitam com criticidade.

O que é ser uma educadora?

Ser educadora é ser uma eterna aprendiz, é estar sempre inovando em minha prática pedagógica para exercer a profissão com leveza, segurança e autonomia. É estar sempre pronta para os desafios e aceitar mudanças de última hora, mesmo sem os recursos necessários. É estar cada vez mais pertinho das minhas crianças, aprendendo e refletindo com elas também, caminhando juntas, tropeçando em alguns momentos, mas sempre de mãos dadas, desenvolvendo um laço afetivo e de confiança.

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