15 de maio de 1958
Os visinhos das casas de tijolos diz:
— Os politicos protegem os favelados.
Quem nos protege é o povo e os Vicentinos. Os politicos só aparecem aqui nas épocas eleitoraes. O senhor Cantidio Sampaio quando era vereador em 1953 passava os domingos aqui na favela. Ele era tão agradavel. Tomava nosso café, bebia nas nossas xícaras. Ele nos dirigia as suas frases de viludo. Brincava com nossas crianças. Deixou boas impressões por aqui e quando candidatou-se a deputado venceu. Mas na Camara dos Deputados não criou um progeto para beneficiar o favelado. Não nos visitou mais.
… Eu classifico São Paulo assim: O Palacio, é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E favela é o quintal onde jogam os lixos.
19 de maio de 1958
… Lavei o assoalho porque estou esperando a visita de um futuro deputado e ele quer que eu faça uns discursos para ele. Ele disse que pretende conhecer a favela, que se for eleito há de abolir as favelas.
23 de maio de 1958
… Nas ruas e casas comerciais já se vê as faixas indicando os nomes dos futuros deputados. Alguns nomes já são conhecidos. São reincidentes que já foram preteridos nas urnas. Mas o povo não está interessado nas eleições, que é o cavalo de Troia que aparece de quatro em quatro anos.
5 de junho de 1958
… Mas eu já observei os nossos políticos. Para observá-los fui na Assembleia. A sucursal do Purgatorio, porque a matriz é a sede do Serviço Social, no palacio do Governo. Foi lá que eu vi ranger de dentes. Vi os pobres sair chorando. E as lagrimas dos pobres comove os poetas. Não comove os poetas de salão. Mas os poetas do lixo, os idealistas das favelas, um expectador que assiste e observa as trajedias que os politicos representam em relação ao povo.
9 de agosto de 1958
Deixei o leito furiosa. Com vontade de quebrar e destruir tudo. Porque eu tinha só feijão e sal. E amanhã é domingo.
… Fui na sapataria retirar os papeis. Um sapateiro perguntou-me se o meu livro é comunista. Respondi que é realista. Ele disse-me que não é aconselhavel escrever a realidade.
… Aqui na favela está um reboliço. É que o deputado Francisco Franco deu material para terminar a sede do Rubro Negro. Deu as telhas e as camisas e o povo da favela fala diariamente neste deputado. Vão fazer uma festa para homenageá-lo.
30 de outubro de 1958
… Saí com a Vera. Notei anormalidade porque a Policia está nas ruas. Fui conversar com um servidor municipal. Ele queixou-se que pagou 5 cruzeiros de onibus.
Eu segui. Olhando os paulistas circular pelas ruas com a fisionomia triste. Não vi ninguem sorrir. Hoje pode denominar-se o dia da tristeza.
Eu comecei a fazer as contas quanto levar os filhos na cidade quanto eu vou gastar de bonde. 3 filhos e eu, 24 cruzeiros ida e volta. Pensei no arroz a 30 o quilo.
Uma senhora chamou-me para dar-me papeis. Disse-lhe que devido ao aumento da condução a policia estava nas ruas. Ela ficou triste. Percebi que a noticia do aumento entristece todos. Ela disse-me:
— Eles gastam nas eleições e depois aumentam qualquer coisa. O Auro perdeu, aumentou a carne. O Adhemar perdeu, aumentou as passagens. Um pouquinho de cada um, eles vão recuperando o que gastam. Quem paga as despezas das eleições é o povo!
31 de outubro de 1958
…O Povo está dizendo que o Dr. Adhemar elevou as passagens para vingar do povo porque lhe preteriram nas urnas.
Quando cheguei em casa os filhos já estavam em casa. Esquentei a comida. Era pouca. E eles ficaram com fome.
… Nos bondes que circulam vai um policial. E nos onibus tambem. O povo não sabe revoltar-se. Deviam ir no Palacio do Ibirapuera e na Assembléia e dar uma surra nestes politicos alinhados que não sabem administrar o país.
Eu estou triste porque não tenho nada para comer.
Não sei como havemos de fazer. Se a gente trabalha passa fome, se não trabalha passa fome.
Várias pessoas estão dizendo que precisamos matar o Dr. Adhemar. Que ele está prejudicando o paiz. Quem viaja quatro vezes de onibus contribui com 600,00 para a C.M.T.C. Deste geito, ninguém mais pode.
1 de novembro de 1958
… Percebi que o povo continua achando que devemos revoltar contra os preços dos governos e não atacar-mos só a C.M.T.C. Quem lê o que o Dr. Adhemar disse nos jornais que foi com dor no coração que assinou o aumento, diz:
— O Adhemar está enganado. Ele não tem coração.
— Se o custo de vida continuar subindo até 1960 vamos ter revolução!
5 de novembro de 1958
Despertei. Não adormeci mais.
Comecei sentir fome. E quem está com fome não dorme.
Quando Jesus disse para as mulheres de Jerusalem: — “Não chores por mim. Chorae por vós’ — suas palavras profetisava o governo do Senhor Juscelino. Penado de agruras para o povo brasileiro. Penado que o pobre há de comer o que encontrar no lixo ou então dormir com fome.
Você já viu um cão quando quer segurar a cauda com a boca e fica rodando sem pegá-la?
É igual o governo do Juscelino!
8 de novembro de 1958
Isto me faz lembrar esta quadrinha que o Roque fez e deu-me para eu incluir no meu repertorio poetico e dizer que é minha:
Politico quando candidato
Promete que dá aumento
E o povo vê que de fato
Aumenta o seu sofrimento!
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Trechos de Quarto de Despejo, da escritora Carolina Maria de Jesus, respectivamente das páginas 32, 36, 44, 54, 108, 130, 131 e 134 da edição 2010 da editora Ática.