Grand Jeté

Foi no ballet que eu aprendi que não há problema em errar, em passar vergonha ou em repetir milhões de vezes

O grand jeté é um dos símbolos do ballet. Ao ver a imagem de uma pessoa voando assim, pensamos no ballet e das coisas impossíveis que só os bailarinos são capazes de fazer. Dá a impressão de que há cabos escondidos em algum lugar. É difícil imaginar o que leva um ser humano, antes igual aos outros, se tornar capaz de saltar daquele jeito.

Imaginem, então, o meu susto, quando no meu primeiro dia de aula de ballet a professora nos pediu para dar um grand jeté. Ou melhor, vários, atravessar a sala com grand jetés. Eu e as outras meninas nos olhamos com cara de cuma?, mas era isso mesmo. Ela disse que o princípio era o mesmo de saltar uma poça d´água. Que deveríamos tentar saltar o mais longe e alto possível. Pra facilitar (ou não), ela espalhou vários objetos no chão e tínhamos que saltá-los. Esse foi um dos momentos “onde é que eu fui amarrar meu burro” da minha vida. Foi o ponto alto de um desconforto que iniciou com a própria preparação pra fazer ballet. Quando fui comprar meu collant – do modelo e marca mais simples o possível, pro prejuízo não ser grande caso eu não ficasse – a vendedora me perguntou se era pra minha filha. Meio uma criança, mais precisamente como um bebê gigante, que eu me sentia cada vez que vestia aquilo. Minhas colegas de ballet eram adolescentes e a própria professora daquela turma mal tinha saído da adolescência – fato que me acompanharia em quase todas as turmas que frequentei.

O salto em si foi… chinfrim. A perna não abriu muito, não saltei alto e a vontade de fazer direito me fez contrair os ombros e ficar com os braços duros. Saltei com a mesma graça e leveza que você saltaria aí na sua casa. De grand jeté ficou a intenção. Para coroar meus esforços da pior maneira, fui a única que ficar no final da aula pra ver se conseguia saltar com a perna esquerda pra frente. Simplesmente não ia, meu corpo não “saltava poça” com a esquerda no comando.

Essa foi a primeira de uma série de vergonhas que eu passei (e ainda passo) desde que decidi dançar. Quando parava de passar vergonha numa turma, sinal de que já estava na hora de ir pra uma mais adiantada, pra passar outras vergonhas, vergonhas mais difíceis e sofisticadas. O corpo aprende mais devagar do que a cabeça; é preciso repetir até ele entender. E repetir começa com o tentar. Juro que já vi professor contendo o riso depois de eu ter feito algo especialmente desajeitado. Assim como eu reparo no que os outros fazem e comento, é claro que reparam e falam de mim também. Todo mundo nota, mas todo mundo também foi ridículo quando começou. Existe um respeito por todos que tentam com sinceridade. Foi no ballet que eu aprendi que não há nenhum problema em errar, em passar vergonha ou em repetir milhões de vezes. A única coisa imperdoável é desistir de lutar.

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