Você Acha que eu Queria Votar no PT? Não queria.

imagem: Fabio Montarroios

Você acha que eu queria votar no PT. Não queria. Preferia que perdessem. Mas Bolsonaro significa destruição.

Você acha aliás que eu estou dizendo isso para me fazer de seu igual e conseguir te convencer. É saudável desconfiar.

Você acha que encontrou uma escolha simples: esses roubaram, esse não ouvi falar que roubou: pronto.

Quem tem tempo pra pesquisar candidato? A gente vê uma coisa ou outra na TV. No Facebook. No WhatsApp. Somamos: pelo que vi, não roubou + fala com firmeza + quem eu conheço vai votar nele: pronto.

Quem é que sabe se dá ou não dá pra fazer o que ele está prometendo? Era bom se fizesse, né? Se não fizer… bom, aí a gente vê, como é que eu vou saber agora? Tem que confiar na mudança!

Você acima de tudo já investiu qualquer coisa nessa escolha. Algum tempo, alguma conversa, algum raciocínio. Inclusive compartilhou dois ou três posts nas redes sociais. E agora vai ter de repensar tudo de novo? Puta que pariu.

Voltar atrás é feio, não? Você quer dizer: eu tenho convicção. Ceder à opinião dos outros é fraqueza, não? Você quer dizer: ninguém manda no que eu penso. E quem quer mudar a sua cabeça acha que sabe tudo! Mas você sabe que sabe o bastante.

Você talvez acima de tudo queira vencer. Ou sente já o gosto da vitória, do fazer parte do grupo certo. Os acontecimentos provando que a sua opinião era a mais correta. Ou pelo menos a mais popular!

Por tudo isso é muito fácil simplesmente me ignorar. Colocar o que eu estou dizendo em uma caixa, fazer uma das piadas que todo mundo faz, comentar com um meme, uma hashtag bê dezessete.

Eu não posso te ignorar. Acredito que a sua escolha ameaça faixas da população, prejudica o futuro do país, empodera quem já tem poder. Eu votaria num bonecão do posto, num anão de jardim, numa placa de trânsito em vez do Bolsonaro.

Sobretudo creio que não podemos nos ignorar. Bolsonaro traz, pelo contrário, o projeto de um país em que ignorar a diferença — mesmo segregar e violentar a diferença — está na ordem do dia. Podemos ver um o rosto do outro sem conflito?

Eu não queria votar no PT. O PT fez menos do que é preciso e se entregou a diversos erros: a corrupção, a inabilidade gerencial, a desconexão com a sua base. Eu escolheria qualquer opção alternativa, mesmo o voto nulo ou branco, noutras condições.

(Para não cair na tática falida de pedir que vote em alguém só para não votar em outro, direi: Haddad é o melhor candidato que o PT já ofereceu à presidência. Tem estudo, é capaz de inovação, mostrou capacidade de gestor e tem a possibilidade de ser o estadista que Lula não foi.)

Eu não peço que você se identifique com meu antipetismo (fraquinho, você dirá). Mas conteste sua convicção por um minuto. A esquerda quando precisa votar em alguém, mas sabe que é meio merda, diz que é voto crítico. Experimente algo nesse sentido.

Talvez ache motivo para reinvestir, mudar de escolha. Eu te garanto que há. Será não um recuo, mas uma atualização. Não estará se submetendo, mas avaliando por si. Não será, você também, um sabe-tudo, e saberá escapar da prisão que pode surgir da convicção; não será cabeça dura.

Posso te prometer essa chance de criatividade. Pode ser que você prossiga querendo votar em Bolsonaro — mas terá uma gradação de certeza e incerteza distinta; terá uma postura crítica nova para encarar qual seja o mandato que virá.

Não posso te prometer, contudo, aquele maravilhoso açúcar da vitória. E não vou propagandear o inesperado alimento da derrota, a renovação potente do “fracasse, fracasse de novo, fracasse melhor”. Ela existe, mas parecerá conversa fiada.

De todo modo posso te garantir que vitória ou derrota são palavras de perna curta. E que a cacofonia dos campeonatos não deixa que ninguém se escute. Quero te convocar a um país em que possamos nos escutar. Um país em que ordem não signifique exclusão e em que deixar os outros para trás não signifique progresso.

Um país em que a ignorância não seja o berço esplêndido no qual aspirantes a tirano anseiem se deitar.

Autor

  • Jornalista formado pela Universidade Santa Cecília. Doutorando e mestre em Ciência da Informação e graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduando em Filosofia Intercultural pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Especializado em Gestão Cultural pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc), um núcleo da USP. Como escritor, publicou o romance "As Esferas do Dragão" (Patuá, 2019), e o livro de poesia, ou quase, "*ker-" (Mondru, 2023).

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