A Tentação do Fascismo e a Disputa pelo Controle de Dados

O autor de Sapiens e de Homo Deus, Yuval Noah Harari apresenta na palestra “Why Fascism is so Tempting — and How Your Data Can Empower It” (Por que o Fascismo é tão Tentador — e Como os seus Dados Podem Dar Poder a Ele”) uma definição de fascismo e uma análise de como pode atuar essa tendência política na atualidade. Harari distingue entre nacionalismo e fascismo, fala da fragilidade da democracia frente aos atuais fluxos de dados e indica uma tarefa ética para todos nós.

Nacionalismo, para Hasari, é uma força agregadora, que vitaliza as sociedades. O fascismo seria uma deturpação disso, em que a nação passa a ser visto como algo “supremo”, perante o qual o indivíduo tem “obrigações exclusivas” que superam todos os seus demais vínculos. Podemos partir dessa distinção para propor uma crítica mais ampla: talvez todo vínculo social em si saudável possa ser extrapolado em um instrumento pernicioso, contanto que se torne uma ferramenta de segregação.

Na sequência, o palestrante se coloca outra pergunta que visa a delinear bem o fenômeno em pauta: o que é tão sedutor no fascismo? Ele percebe que as representações do mal são enganadoras: figuram-no como feio, deplorável. Pelo contrário, o mal pode parecer belo e, de fato, “o fascismo faz com que as pessoas se vejam como pertencentes à mais bonita e à mais importante coisa no mundo: a nação”. Assim, um sujeito pode dizer a si: “Eles disseram que o fascismo é feio. Mas quando eu olho no espelho, eu vejo algo muito bonito. Então eu não posso ser um fascista, certo?”.

Hasari então passa a como o fascismo pode agir na contemporaneidade. Ele nota que antes os principais recursos políticos eram a terra e as máquinas, e que agora o recurso fundamental são os dados. Consequentemente, “política se torna o conflito por controlar os fluxos de dados. Ditadura, agora, significa que uma quantidade excessiva de dados está sendo concentrada nas mãos do governo ou de uma pequena elite”. O perigo está em como práticas fascistas se depositam nesses fluxos de dados.

Perigo tanto maior porque se no passado as democracias superaram regimes totalitários por um processamento informacional e uma capacidade de tomada de decisão superiores (ele não cita, mas esse é o argumento de Friedrich Hayek contra o regime comunista), nos dias de hoje é possível centralizar eficientemente o tratamento de dados (uma realidade constatada também pelo Finantial Times). Frente a isso, Hasari propõe aos engenheiros da computação que tenham em vista prevenir que muitos dados terminem nas mãos de poucas pessoas. Além disso, que procurem desenvolver sistemas de processamento distribuído tão eficazes quanto os de funcionamento centralizado.

Por outro lado, os sistemas sob os quais vivemos “sabem mais sobre nós do que nós mesmos” (Hasari também falou à Wired sobre isso). E, na medida em que “a democracia não é baseada na racionalidade, mas na emoção”, “se alguém puder manipular as suas emoções, a democracia se torna um show de marionetes”. Quanto a isso, a proposta do autor é “conhecer as nossas próprias fraquezas”, saber como podemos ser manipulados e como somos enfatuados por tais práticas. Dessa forma, quando nos vermos embelezados pelo “espelho fascista”, saberemos quebrá-lo.

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Veja também a entrevista com Jason Stanley, autor de How Fascism Works, que também analisa o funcionamento do fascismo hoje:

Autor

  • Jornalista formado pela Universidade Santa Cecília. Doutorando e mestre em Ciência da Informação e graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduando em Filosofia Intercultural pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Especializado em Gestão Cultural pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc), um núcleo da USP. Como escritor, publicou o romance "As Esferas do Dragão" (Patuá, 2019), e o livro de poesia, ou quase, "*ker-" (Mondru, 2023).

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