Os Cavalos Invisíveis e a Revolução Bolsonaro

imagem: Alessandro Dias

Vou escrever um pouco sobre jornalismo e opinião especializada em tempos de transformação radical.

Atuei 12 anos em redações. Minha última função foi a de editor-chefe do Jornal da Dez, na Globo News, exatamente onde havia começado minha carreira como jornalista. Sei uma coisa ou outra sobre ao vivo, jornalismo em tempo real e opinião rápida.

Ando percebendo um certo “desespero convencional” face à enxurrada de Jair Bolsonaro. Comentaristas e especialistas mais estabelecidos projetam, numa mal disfarçada torcida, que o sistema enquadrará tudo, que os “bonecos” se ajeitarão no ônibus etc.

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Não será e já não vem sendo assim. Bolsonaro venceu com uma proposta radical (no sentido original da expressão, sem juízo de valor). O ímpeto da ascensão e da afirmação dele é REVOLUCIONÁRIO, como vi o Marcos Nobre dizer na revista piauí.

Isto quer dizer: mudaram os parâmetros, e o chão junto.

Ok, o triunfo de Bolsonaro vem na esteira de outros câmbios radicais nas trocas comunicativas (redes, sobretudo pós-2013 e 2015) e de poder (predominância da antipolítica, do antissistema).

Mas a chave de Bolsonaro é nova. “Ah, mas o cara estava lá há 300 anos na Câmara”. Sim, como BACKBENCHER, como filho maluco do baixo clero: até o ponto de partida é não-convencional.

E o que eu vejo na maior parte das análises? Uma fome analítica de enquadrar o que se passa em esquemas interpretativos da república que foi ficando para trás desde 2013 e deu adeus nas urnas. Notícia: MUDOU.

Se essa revolução vai triunfar, desmoronar ou ser cooptada, é outra história. Mas o fato é que o COMENTARIADO, sobretudo o da TV, precisa abandonar amarras e lupas do passado. Estamos em tempos de correria.

Nós, jornalistas, crescemos e nos formamos noutro mundo, os analistas também. Ficar forçando um enquadramento do que presenciamos em categorias e parâmetros antigos é só uma vontade de seguir trabalhando de velhas formas.

Nossos vieses pré-eleição de 2018 nos ensurdecem para a radicalidade do que agora se diz, do que agora se faz e do que agora se desenha. Vejo gente importante tratando este governo eleito como um centrão anabolizado, virado de arrebite. Isso não é análise. É comodismo.

Não querem entender que a amplitude de ação de um movimento radical (de novo, no sentido original, de ataque e reconstrução de fundamentos) é necessariamente maior do que a de movimentos comprometidos com arranjos convencionais.

Mas o convencional ruiu. Não quer dizer que as instituições tenham ruído, que o Renan Calheiros tenha deixado de ser Renan Calheiros, o que o MDB tenha se convertido num cartório. Não: os termos e as bases das nossas trocas, convencionados, caíram.

A boca do vulcão acabou de abrir. Tem gente importante jurando que vai sair mingau de lá. E com que base? Com a base na fome de quem preparou e comeu mingau a vida inteira! Olha, no mínimo, no mínimo, lamento dizer, mas mudaram a receita do mingau.

Tudo isso para dizer que é para desconfiar de quem não analisar gritando.

Ah, e outra: para a imprensa TELEVISIVA, há um desconcerto novo, que é o da produção de conteúdo audiovisual diretamente do ator político para sua base. Notem como os jornalistas televisivos ridicularizam as lives de Bolsonaro (não o conteúdo delas, o fato delas existirem).

Essa graça vem do desarranjo. A live do Bolsonaro (caceta, a escala, a escala: trata-se de um presidente eleito!) quebra mediações e protocolos.

Falando de jornalismo, só posso pensar em uma necessidade que se impõe: a de descrever os fatos em sua radicalidade. Na correria de tudo, descrever o fluxo em termos novos, sem compromissos com os catálogos de anteontem.

Pois muitas vezes a análise, tão propalada como apoio de um certo novo jornalismo, serve de muleta para um convencionalismo que está sendo espancado pelos fatos (e isso não é de agora).

Imagino dois sujeitos que só tenham visto carroças na vida, diante de uma Ferrari em movimento. Um deles diz, sabichão: “Nada como uma carroça lustrada”. O outro berra, meio louco: “Cavalos invisíveis!”. O segundo, apesar de fantástico, toca mais a novidade que o primeiro!

texto originalmente publicado no Twitter e gentilmente cedido pelo autor.

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