Em que alguém Chega ao Limite e posta nas redes sociais: ‘Quando vamos protestar?’

imagem: Babak Fakhamzadeh

Vira e mexe, nas timelines da vida, alguém Chega Ao Limite e faz aquele chamado à população (das redes sociais): “Quando vamos protestar? Quando vamos tomar uma atitude contundente?” Esse alguém dá como que um ultimato. “Como que vocês podem ser assim!” Ele se desespera.

Suponha que ele seja bem sucedido. Todos na rede social dirão: “É mesmo!” E amanhã cedo estarão ocupando a rua. Era só o que faltava: este post. Não a gota d’água tão iminente e distante que canta Chico Buarque: este post. Agora as pessoas estão avisadas.

Agora vai. Né? Não. Nosso herói talvez engula a frustração a seco e repita o processo depois de um tempo. Pode também se entregar a um niilismo, convencer-se de que agora entende a essência dessas Pessoas Que Não o Escutam: “Gado” — palavra da moda do elogio indireto a si — “gado e só”. Não como ele. Um rebelde.

Nesse estágio então em que Tudo Foi Tentado ele poderá se entregar à autocomiseração e às fantasias de que chegará a redenção. Tempos melhores virão com acontecimentos fabulosos como O Julgamento da História ou O Dia Em Que As Pessoas Que Não o Escutam Vão Ter Quebrado Tanto a Cara que Verão a Verdade.

A justiça prevalecerá. Né? Não. Algo diferente o nosso herói terá de fazer para que não seja derrotado pelos filhos, pelos netos e pelos bisnetos dos seus adversários atuais. Eu diria: meu amigo, você tem de olhar esse fracasso no olho. Você tem que pegar esse post e a tua posição comunicativa e o seu objetivo e as tuas expectativas de sucesso e entender os fracassos do primeiro, do segundo, do terceiro e do quarto. A questão é “por que não estão te ouvindo?” mas também é “por que você está perdendo?”. Por que você está perdendo?

Se o XV de Piracicaba perde pro Corinthians ninguém se surpreende. Se você perde, alguém se surpreende? Nem mesmo você. Você sabia que ia perder. Você aceita isso de forma tão natural que só pode mesmo esperar o milagre da convulsão social. Aquele dia em que com o seu post ou sem todos farão O Protesto. Você então só terá de compor O Protesto. Você tem tanta convicção da derrota, da inutilidade dos seus esforços, que espera o deus ex machina.

Olha esse fracasso no olho, olha essa fraqueza política no olho. O que você precisa é se por em condição de realizar o que você pretende. As forças que elegeram Bolsonaro há anos se dedicam a fomentar claques universitárias, a instituir think tanks, a organizar encontros e a controlar redes de mídia. Você fez sequer um grupo de WhatsApp? Você montou com seu melhor amigo um grupo de estudo que seja, só vocês dois, um dia por mês, nada, né?

Você precisa pelo menos se por em condição de crescer. Pelo menos conhecer o cenário e o que é possível articular. Mira no poder-migalha, esse espalhamento de gente mais ou menos na mesma página que conhece outras gentes que estão meio alheias mas veem algo sendo feito. Aí sim o seu post poderá ser menos fogo de palha e mais rastilho de pólvora.

 

 

 

Autor

  • Jornalista formado pela Universidade Santa Cecília. Doutorando e mestre em Ciência da Informação e graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduando em Filosofia Intercultural pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Especializado em Gestão Cultural pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc), um núcleo da USP. Como escritor, publicou o romance "As Esferas do Dragão" (Patuá, 2019), e o livro de poesia, ou quase, "*ker-" (Mondru, 2023).

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