Em momentos de extremada polarização política, costuma existir dois tipos de atitude. Tem a reação na mesma moeda aos adversários que condenamos, o que apenas adia a fatura de recuos para os avanços forçados na luta por emancipação. E tem a atitude mental compreensiva que, pela força de sua coerência, atravessa a história servindo de inspiração a essa mesma luta.
Eu poderia estar falando do Brasil atual. Mas, na verdade, trata-se da polêmica, envolvendo o antropólogo Alfred Radcliffe-Brown e o sociólogo e crítico literário Antonio Candido, sobre o destino da Alemanha no pós-Segunda Guerra, uma vez derrotado o nazismo.
Diz Radcliffe-Brown:
Não se trata apenas de tomar-lhes as casas; será preciso ir de casa em casa desalojar os moradores, fazer como fizeram os alemães intrusos com as nações invadidas (…) Removamos 40 milhões de alemães dos seus lares e das sua terras, para dá-las aos povos que ela (Alemanha) oprimiu. Ela o fez em nome da tirania, nós o faremos em nome da liberdade, da segurança do mundo de amanhã.
Responde Antonio Candido1:
O que há de chocante na entrevista do professor Radcliffe-Brown é que a sua linguagem poderia estar na boca do sr. Goebels ou outro sinistro personagem do mesmo jaez. O que deve distinguir um homem livre de um nazista é, antes de tudo, a sua atitude mental, prelúdio necessário da ação. Nada mais deplorável do que responder a um fascista com o mesmo gênero de argumento por ele usado. Olho por olho, dente por dente. Mataram? Matemos. Roubaram? Roubemos. Até onde nos levará esta lógica tremenda, que reentroniza o Código de Hamurabi?
Não, meu respeitado mestre Radcliffe-Brown. Não se deve vencer o nazismo para continuar a empregar os seus métodos — onde quer que seja, de que lado seja, sob que pretexto for. Como sociólogo, como homem de pensamento, cabe-lhe pregar a humanidade nas relações do homem; cabe-lhe, ao invés de se queixar, como faz, que o tratado de Versalhes não tenha sido bastante rigoroso, ensinar que é preciso acabar com os odiosos tratados de Versalhes e dar a todos os povos, quaisquer que eles sejam, condições que lhes permitam sacudir o jugo da contingência econômica e mesológica. A democracia não deve ser feita entre os homens apenas, mas também entre os países. O que se tem a fazer é esmagar o nazismo, punir os seus responsáveis e estender, larga, sincera, generosa e fraterna, a mão à Alemanha e ao seu povo.
Notas