“Eu tinha uma convicção inabalável de que portões invisíveis se abririam para mim”, escreveu o poeta
Uma versão resumida deste texto foi apresentada no evento Conjuring Yeats, organizado pela International Yeats Society e pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em dezembro de 2024.

Introdução
A relação entre W. B. Yeats e a teosofia, entre um poeta e uma forma de saber entre ciência, filosofia e religião é o objeto deste artigo. Teosofia, do grego “sabedoria divina”, foi um termo usado primeiramente pelos filósofos neoplatônicos da Antiguidade tardia, entre os séculos III e VI EC, retomado no Renascimento europeu e ulteriormente rearticulado com a Sociedade Teosófica nos séculos XIX e XX. O tema da teosofia aparece em diversas obras de Yeats, o qual sabidamente foi membro da Sociedade Teosófica (1887-1890) e influenciado pela leitura de vários teósofos.
Todavia, por sua amplitude e complexidade, seria inviável, dentro dos limites de espaço que dispomos aqui, abordar o assunto de maneira pormenorizada1. Diante disso, conquanto a partir de um leque recortado de obras de Yeats, como sua Autobiografia, Uma Visão e alguns ensaios, sem prescindir do apoio de comentadores, priorizamos neste trabalho abordar introdutoriamente a relação de Yeats com a ramificação cristã da teosofia, consumada em autores como Jakob Boehme, Emanuel Swedenborg e William Blake. Desse modo, nesta exposição pretendemos: a) conceituar a teosofia e diferenciar suas ramificações; e b) caracterizar e problematizar a relação de Yeats com a teosofia, em especial à luz da teosofia cristã.
Teosofia e suas ramificações
Como dito, “teosofia” foi inicialmente utilizado na Antiguidade tardia, notadamente por filósofos neoplatônicos como Porfírio (Sobre a abstinência, IV, 17) e Proclo (Comentário à República), cujas obras Yeats conhecia assaz bem. O neoplatonismo foi último bastião intelectual do paganismo antigo e sinônimo de uma filosofia de índole mística, sincrética e universal, não obstante sua declarada hostilidade para com o cristianismo da Igreja.
Veja também:
>> ““Eros e Psique”, de Fernando Pessoa: poesia e alquimia“, por Isabella Ligia Moraes
>> “A Odisseia do Espírito, Schelling e o espírito da tradução“, por Gabriel Assumpção
Como o passar do tempo, o termo foi associado mais estritamente a uma forma específica de esoterismo cristão que surgiu na Alemanha renascentista, a partir de Paracelso, Weigel, Arndt e outros, cujo influxo chegou, mais tarde, até países como França, Inglaterra, Suécia, Rússia etc.
Nessa teosofia cristã, existia uma diferenciação entre o Deus revelado e o Deus oculto da tradição mística neoplatônica; a compreensão da imaginação como uma força mediadora entre os níveis de realidade; uma visão da natureza estruturada em vários graus, ligados pelas analogias e correspondências; uma hermenêutica simbólica dos textos sagrados; e considerações metafísicas sobre temas como a sabedoria divina ou o Adão primordial (Faivre, 2006, p. 258-262).
Ademais, a teosofia se opunha à teologia tradicional, pois não se colocava como um saber racional a respeito de Deus, e sim intuitivo e suprarracional, uma revelação direta da sabedoria divina à alma humana, tal como Boehme acreditava:
Meus escritos pertencem aos filhos do mistério, porquanto neles há muitas pérolas ocultas e a mostra. Não os escrevi para os idiotas, nem para os sagazes, mas para mim mesmo e para aqueles a cujo entendimento Deus conceder isso. Este projeto está sob o poder de Deus; por isso, não o reconheço como fruto de minha razão, mas como uma revelação de Deus. (…). Minha ciência está oculta em Deus. Não escrevi sobre ciência ou teoria do homem a partir de aprendizagem em livros, mas a partir de meu próprio livro, aberto em mim como nobre imagem de Deus; me foi dado ler o livro da figura nobre [= da fiel imagem de Deus], e nele encontrei meu estudo. (…) Não me é lícito outro livro além desse… (Boehme apud Fernandes, 2010, p. 102)
Em meados do século XVIII, na Era do Iluminismo, a teosofia será atacada e desacreditada por autores como Diderot, retratando-a como uma filosofia pretensiosa, irracionalista e desvairada na famosa Enciclopédia, assim como Kant pintará o teósofo Swedenborg como um fantasista alucinado cujo pretenso saber sobrenatural extrapolava os limites da razão e da percepção.
Já no contexto do romantismo, em reação à Filosofia das Luzes, teremos, além de Swedenborg, continuadores dessa teosofia cristã em autores dos séculos XVIII e XIX como Saint-Martin, Oetinger, von Baader, Blake, Eckhartshausen, Schelling, entre outros.
Contudo, no último quartel do século XIX, sob impacto do cientismo positivista, do materialismo e do evolucionismo, por um lado, e do espiritismo e do ocultismo inglês, do outro, a teosofia (amiúde chamada de filosofia perene ou tradição) retornaria à cultura da Europa em uma forma nova, sob um contexto sincretista2 diferente do da teosofia clássica de Boehme e outros (Smoley, 2015; Moura, 2001, p. 42; Lenoir, 2024, p. 314-317), tendo ainda por pano fundo o trabalho de orientalistas, especialmente de indólogos para os quais os textos hindus antigos eram a matriz de toda as religiões. O precursor deles foi o orientalista Reuben Burrow (1747-1792) (Sedgwick, 2004, p. 40; Clarke, 1997), cuja hipótese era a de que a ciência dos indianos e dos druidas do passado teria sobrevivido mais tarde em organizações como a maçonaria. E, além de Burrow, também podem ser citados os trabalhos pioneiros de orientalistas como William Jones, Wilkins, Anquetil-Duperron, F. Schlegel e Max Muller, entre outros (Clarke, 1997).
Não obstante não sabermos se coronel H. S. Olcott (1832-1907) leu realmente os trabalhos de R. Burrow, desde 1824-1827 já era possível encontrar traduções em língua inglesa de obras clássicas indianas como a Bhagavad Gita, que, provavelmente, influenciou autores da mesma época como R. W. Emerson, romântico platônico fascinado com a filosofia vedanta a ponto de igualar os Vedas com a Bíblia, crédulo quanto à influência da genialidade oriental sobre a Europa. Muito provável, foi através de Emerson e dos transcendentalistas dos EUA que Olcott chegou à teosofia sob um colorido védico ou indiano (Sedgwick, 2004, p. 40).
Em 1875, em Nova Iorque, o coronel Olcott fundou a Sociedade Teosófica com a intenção de comparação interreligiosa e buscar uma sabedoria muito antiga, fonte primordial das religiões, presente tanto em Hermes quanto nos textos védicos milenares. Enquanto Hermes era uma referência para os renascentistas, não o era a tradição filosófico-religiosa indiana, citada de forma vaga apenas (cf. Holman, 2011, p. 33). Na criação da Sociedade Teosófica, Olcott teve como parceira a ocultista e aventureira russa Helena Petrovna Blavatsky, desde 1873 presente nos EUA (Sedgwick, 2004, p. 13-22).
Conforme Moura (2001, p. 46-47), Blavatsky em obras anteriores ainda tinha maior influência do hermetismo ocidental e sua referência primária de Oriente era o Egito, contudo isso mudou após sua viagem à Índia em 1878 e consolidou-se uma visão mais indiana com a publicação de A Doutrina Secreta em 1888, dez anos depois. Blavatsky (2000, p. 12), por sua vez, considerava que o ensinamento teosófico contido nos volumes da obra A Doutrina Secreta, ainda que incompleto e fragmentário, era a quintessência atemporal de todas as religiões e tradições.
Yeats como teósofo
Por volta de 1885, Yeats, sob influência direta da literatura teosófica em voga, fundou a Dublin Hermetic Society (Fenelly, 1975, p. 287). Em 1887, em Londres, chegou a conhecer pessoalmente Madame Blavatsky, de quem teve e guardou uma impressão bastante benevolente (James, s/d), e em 1888 foi admitido na Seção Esotérica da Sociedade Teosófica.
Por volta de 1889, portanto, nesse mesmo período teosófico, Yeats, tal como relata em sua Autobiografia (1958), voltou-se para William Blake, junto com o poeta E. Ellis, afirmando que a filosofia desse autor
[…] requer um conhecimento exato para sua busca, o qual trace a conexão entre seu sistema e o de Swedenborg ou de Boehme. Reconheci certas atribuições do que às vezes é chamado de Cabala Cristã, das quais Ellis nunca tinha ouvido falar, e com essa prova de que sua interpretação era mais do que fantasia, ele e eu começamos nosso trabalho de quatro anos nos Livros Proféticos de William Blake. (Yeats, 1958, p. 108, tradução nossa)
Sabe-se que nesse período Yeats leu bastante Boehme para preparar sua edição das obras de Blake junto com E. Ellis, e que uma de suas fontes de acesso à teosofia boehminiana foi Franz Hartmann (Vida e Doutrinas de Jacob Boehme), membro da Sociedade Teosófica que interpretava Boehme à luz do pensamento do século XIX, uma ponte construída entre a teosofia clássica e a nova.
Em notas de 1889 em seu Diário Oculto (Memórias, 1972: 281), Yeats relata que:
Por volta do Natal de 1888, entrei para a Seção Esotérica da ST. As promessas não me deram problemas, exceto duas — promessa de trabalhar pela teosofia e promessa de obediência a HPB em todos os assuntos teosóficos. Expliquei minhas dificuldades a HPB. Disse que eu só poderia assinar com a condição de que eu mesmo fosse o juiz do que é Teosofia (o termo é amplo o suficiente) e considero meu trabalho em Blake uma observância totalmente adequada desta cláusula. Sobre o outro assunto, HPB explicou que esta obediência se referia apenas a coisas relativas à prática oculta, se tal fosse necessário. Desde então, uma cláusula foi inserida fazendo com que cada membro prometesse obediência sujeita à decisão de sua própria consciência.
Percebe-se que Yeats considerava o conceito de teosofia amplo o suficiente para gerar problematizações de acordo com seu crivo pessoal e que seu trabalho sobre Blake estava relacionado ao que entendia como teosofia, ou seja, nesse caso, a teosofia cristã.
Em novembro de 1890, Yeats desligou-se dos círculos teosóficos ingleses devido a seu interesse ardente por magia e por evidências práticas do campo oculto, o qual não era compartilhado pelos demais membros da Sociedade Teosófica (James, s/d), e um pouco antes disso, em março, havia ingressado na célebre Ordem Hermética da Aurora Dourada, na qual desenvolveu ainda mais seu interesse por magia e hermetismo. Em sua Autobiografia (Yeats, 1958, p. 326), o poeta comentou que a tradição ocidental insistia no poder, relacionado ao corpo, enquanto a tradição oriental desprezava a carne e volta-se para o informal, e que, por conseguinte, a tradição oriental era inadequada para o modo de vida dos ocidentais.
Não obstante, manteve igualmente vivo o interesse pela tradição espiritual hindu, presente na teosofia blavatskyana, e chegou a publicar e comentar materiais clássicos relacionados ao assunto. Além disso, conforme veremos, manteve referências constantes em sua obra posterior aos autores da teosofia cristã como Boehme, Swedenborg e Blake.
Yeats e a Teosofia Cristã de Boehme, Blake e Swedenborg
Yeats escreveu na sua Autobiografia:
Eu tinha uma convicção inabalável, surgindo como ou de onde eu não posso dizer, de que portões invisíveis se abririam para mim como se abriram para Blake, como se abriram para Swedenborg, como se abriram para Boehme, e que essa filosofia encontraria seus manuais de devoção em toda literatura imaginativa, e colocaria diante dos irlandeses um manual especial de literatura irlandesa que, embora feita por muitas mentes, pareceria o trabalho de uma única mente, e transformaria nossos lugares de beleza ou associação lendária em símbolos sagrados. Eu não pensei que essa filosofia seria completamente pagã, pois era claro que seus símbolos deveriam ser selecionados dentre todas aquelas coisas que mais moveram os homens durante muitos séculos, principalmente cristãos. (Yeats, 1958, p. 169-170)
É digna de nota a convicção yeatsiana de que as “portas da percepção” se abririam para ele assim como se abriram outrora para Boehme, Swedenborg e Blake, e que essa filosofia teosófica era universal assim como a imaginação o era, podendo servir para conectar a tradição mítica irlandesa às demais tradições, inclusive a cristã. Sobre Blake e Boehme, Yeats afirmou também que:
Blake no início de seu poema mais longo pede que as musas cantem a “queda do homem na Divisão e sua ressurreição na Unidade”, e Jacob Boehmen teria ecoado as palavras. O universo, de acordo com ambos os videntes, surgiu da unidade divina e por um processo de divisão e subdivisão quase idêntico em ambos os sistemas, no que diz respeito aos seus estágios iniciais e tendo muitas analogias por toda parte. (Yeats apud Monteith, 2008)
É importante observar na passagem destacada acima como Yeats não só vê uma concordância essencial entre as doutrinas de Blake e Boehme sobre a unidade divina, sua fragmentação e recuperação, mas é ainda mais surpreendente quando afirma, como nota Monteith (2008), que Boehme teria “ecoado as palavras” de Blake, já que, a rigor, foi Blake quem bebeu na fonte boehmiana. Yeats acreditava que Blake era superior a Boehme e subverte a lógica histórica nessa comparação essencial.
Essas referências e aportes à teosofia cristã persistiram na obra de Yeats praticamente por toda a vida. Por exemplo, no texto Swedenborg, Médiuns e Lugares Desolados de 1914:
[…] um dia, abri O Diário Espiritual de Swedenborg, que não anotava há vinte anos, e encontrei tudo lá, até mesmo certos pensamentos que não havia colocado no papel porque pareciam fantásticos por falta de algum fundamento tradicional. Era estranho que eu tivesse esquecido tão completamente um escritor que li com algum cuidado antes que o fascínio de Blake e Boehme me levasse embora.
Foi de fato Swedenborg quem afirmou para o mundo moderno, contra o raciocínio abstrato dos eruditos, a doutrina e a prática dos lugares desolados, dos pastores e das parteiras, e descobriu um mundo de espíritos onde havia um cenário como o da terra, formas humanas, grotescas ou belas, sentidos que conheciam prazer e dor, casamento e guerra, tudo o que poderia ser pintado na tela ou colocado em histórias para fazer o cabelo se arrepiar.
Ou na obra filosófico-poética Per Amica Silentia Lunae, de 1918:
O espiritismo, seja do folclore ou da sala de sessão espírita, as visões de Swedenborg e a especulação dos platônicos e peças japonesas, dirão que podemos ver em certas estradas e em certas casas velhos assassinatos encenados novamente, e em certos campos caçadores mortos cavalgando com cavalos e cães, ou exércitos antigos lutando sobre ossos ou cinzas. Levamos para Anima Mundi nossa memória, e essa memória é por um tempo nosso mundo externo (VIII, 2010: 71)
Em ambas as passagens mencionadas aparecem as doutrinas de Swedenborg, que estariam de acordo com outras tradições como Boehme, Blake, o espiritismo ou o neoplatonismo, tanto das correspondências entre os diversos níveis de realidade quanto da existência de uma Alma ou Mente universal, dotada de uma memória, que, em textos sobre magia, Yeats (2018, p. 24-33) colocou como um dos seus pilares. Tratam-se dos conceitos conhecidos na teosofia como mundo astral e arquivos akhásicos. Podemos dizer assim que a teosofia aqui era o suporte teórico à crença de Yeats na Magia.
Na Introdução de Uma Visão (1928?), o tema da teosofia ainda é revisitado por Yeats:
Certa vez, eu havia me aprofundado no conhecimento de Blake até onde seus livros proféticos inacabados e confusos permitiam, e havia lido Swedenborg e Boehme, e minha iniciação nos “discípulos herméticos” enchera minha cabeça de imagens cabalísticas; mas não havia nada em Blake, em Swedenborg, em Boehme ou na Cabala que pudesse me ajudar agora. Eles encorajaram-me, no entanto, a ler a história em relação à sua lógica histórica, e as biografias em relação às suas vinte e oito encarnações típicas, para que eu pudesse dar expressão concreta ao seu pensamento abstrato. (V, 1937: 12)
Curiosamente, mesmo quando Yeats procura inovar em seu pensamento esotérico, permanece nítido como ele ainda vai buscar inspiração nos teósofos que lera na juventude, como disse Graham Hough.
E, por fim, no prefácio de Letras para a Nova Islândia de 1933, afirmou Yeats:
Eu conhecia Blake profundamente, tinha lido muito Swedenborg, só tinha cessado meus estudos sobre Boehme por medo de não fazer mais nada, tinha adicionado um segundo fanatismo ao meu primeiro. Meu isolamento de homens e mulheres comuns foi aumentado por um ascetismo destrutivo da mente e do corpo, combinado com uma adoração da beleza física que o tornava sem sentido (1970, xi, xi)
Segundo Monteith (2008), Yeats entendia-se como parte de uma comunidade maior, a comunidade dos teósofos, e é sob essa luz que sua edição e crítica de Blake e de outros deve ser apreciada:
Yeats também foi atraído pela teosofia porque ela lhe oferecia uma posição no universo. Em vez de ser apenas um jovem da Irlanda, a teosofia conectou Yeats a uma comunidade imaginada de conhecimento, uma comunidade conectada ao que parecia ser a “verdadeira” tradição e história do mundo. Como um membro privilegiado de um círculo interno, essa comunidade confiou a Yeats um conhecimento que tinha que ser protegido e ensinado a outros que também fossem dignos. Essa tradição não se estendeu apenas por textos religiosos, mas textos e figuras literárias: Yeats descobriu — por meio de sua própria leitura estratégica de suas filosofias — que seus próprios heróis literários (Blake, Shelley, Dante) pareciam ter uma linhagem teosófica própria.
A nosso ver, essa ideia de comunidade lembra igualmente o que o teósofo Eckhartshausen no século XVIII chamou de “Igreja interior”, composta por todas as almas dos teósofos que buscam a sabedoria divina ou teosofia, por oposição à Igreja exterior ou exotérica.
Segundo ainda Monteith (2008), a própria leitura que Yeats fez de um autor como Blake em sua edição de obras blakenas com E. Ellis é uma leitura teosófica no sentido da universalidade, a qual transformaria o próprio leitor em leitor global, sem limites históricos ou geográficos, membro de uma comunidade dos “verdadeiros leitores” de Blake. Nesse sentido, ao globalizar o leitor, Yeats promove a visão teosófica de que todas as religiões e filosofias derivam da mesma raiz e que a verdade única pode ser desvelada sob uma análise comparativa e textual dos textos diversos. E esse processo revela um projeto do próprio Yeats, conforme Monteith (2008):
Como parte de um grupo definido por seus interesses esotéricos aparentes, Yeats, seu verdadeiro leitor da edição Quarich, assim como seus hindus, ciganos e rosacruzes, transcendem suas diferenças culturais e geográficas para se engajarem em uma causa nobre — a busca pela verdade. Sua causa se torna ainda mais nobre, pois cada membro do grupo pode estar sujeito ao mesmo tipo de ataque crítico: ou são considerados loucos demais para serem levados a sério, ou são considerados exóticos e culturalmente diferentes demais para representar uma ameaça ao senso de autoidentidade dos críticos.
Conclusão
Afinal, seria lúcido e razoável concluir que Yeats manteve vivas em sua obra a influência tanto da teosofia cristã quanto da teosofia oriental da Sociedade Teosófica ao longo da evolução do seu pensamento. Mais do que isso, Yeats, apesar da profunda influência recebida da teosofia cristã, associa a ela uma visão mais universal, como aquela tipicamente defendida pela Sociedade Teosófica, como se fundisse ou mesclasse as duas visões em uma só, a sua visão.
Claro que não se pode dizer que faltasse aos teósofos cristãos ocidentais, apesar da sua vinculação cristã, uma visão universal, afinal Boehme e Blake disseram várias vezes que todas as religiões levavam ao mesmo lugar, não só o cristianismo, e que Cristo ia muito além de formas religiosas dogmáticas.
Talvez possamos concluir esta exposição com um relato de Geoffrey M. Watkins (1975, p. 308), o qual mostra em Yeats, depois de 1919, a persistência do mais genuíno espírito teosófico, ou seja, do diálogo universal e da diversidade, tendo sido ele talvez o último grande teósofo do Ocidente:
[…] lembro-me das pessoas que vinham para tomar chá [junto a meu pai], conversar e teosofia (a Teosofia em seu sentido mais antigo e amplo). Entre os visitantes estavam Yeats, AE [George Russell], James Stephens, Stephen MacKenna (o tradutor de Plotino), Darrell Figgis (o autor de um ótimo livro sobre as pinturas de Blake), Standish O’Grady (o encantador recontador de contos e lendas irlandesas) e muitos outros.
Quando Yeats e Mead se encontravam por acaso em Cecil Court, eles conversavam longamente sobre Plotino, os gnósticos e a filosofia indiana. Ocasionalmente, Waite estava lá, e ele e Yeats conversavam sobre a Cabala e o mundo das fadas. Com C. J. Barker, que estava editando uma nova edição das obras de Jacob Boehme, Yeats discutia Boehme e sua influência sobre Blake.
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Notas