Existência e Finitude

“Apesar da concretude da morte nos destruir, a ideia da morte nos salva”

O filósofo Epicuro acreditava que a principal utilidade da filosofia é amenizar o sofrimento humano e que a origem de todo o sofrimento vem de nossa angústia perante a morte.

Uma angústia que estará presente durante toda a vida, mas normalmente se mostra real em situações que nos lembram de nossa finitude, como uma morte na familia ou aniversários “redondos” (50’s, 60’s, 70’s …). Cada pessoa enfrenta essa angústia de maneira diferente. De acordo com o terapeuta Irvin Yalom (quase) toda a angústia sexual seria uma máscara para a angústia da morte. Aqui vamos tratar de algumas tópicos que surgem da leitura do terapeuta. Para informações melhores e mais detalhadas sobre a angústia da morte e psicologia existencial, leia De Frente para o Sol.

Cada um tem sua forma singular de tentar driblar a morte, seja acreditando em outras vidas, seja acumulando fortuna e poder. Há pessoas que percebem que a vida é curta e caem no mar do prazeres, mas tem as pessoas que, como para afastar a morte, “economizam” a vida, são regradas em tudo que fazem, temem qualquer tipo de mudança pois toda mudança é efetivamente uma morte em si.

“Há quem recuse o empréstimo da vida para não pagar o ônus da morte”

O que existe de mais comum é a fantasia da imortalidade, seja através dos genes com filhos, através de obras, feitos grandiosos e qualquer coisa que possa ser lembrada pelos outros após sua partida. Também, é claro, pelo apego a qualquer tipo de religião que prega uma vida eterna.

A filosofia existencial, ao contrário das religiões, não vem trazer nenhum tipo de conforto perante a morte, na verdade torna a morte ainda mais difícil de ser admitida. É o fim absoluto da consciência, voltaremos ao mesmo nada que precede nosso nascimento. O estado de inexistência se torna mais assustador, mas “apesar da concretude da morte nos destruir, a ideia da morte nos salva”.

O guerreiro ninja era o mais ousado — e ao mesmo tempo, o que melhor desarmava os golpes do inimigo.

“O que você fez para lutar tão bem?”, perguntou um guerreiro.

“Morri”, respondeu o ninja.

Os guerreiros riram. Afinal de contas, o homem que dizia isto estava diante deles, vivo e bebendo vinho.

“No final de meu aprendizado, o mestre lutou comigo, e me venceu”, disse o ninja, mostrando uma cicatriz no pescoço.

“Esta é a marca de sua espada. Então o mestre falou: ‘você morre neste instante. O resto da sua vida é lucro, por isso não vou dar o golpe final. Não preciso’”.

“E assim foi. E como o rei da morte já me alcançou, não tenho medo da vida”.

Esse pequeno conto de Paulo Coelho ilustra o valor da idéia de morte. O insight sobre a própria finitude pode nos salvar de uma vida insatisfatória. Nietzsche encontra uma forma de demonstrar essa idéia de forma interessante:

E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência — e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez — e tu com ela, poeirinha da poeira!”. Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: “Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!” Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?” pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?

Se esse for nossa única vida e estamos fadados a repeti-la eternamente nós temos que fazer valer a pena. Para isso temos que viver carregando o mínimo de arrependimento possível. Não é preciso entrar no puro hedonismo, começar com as coisas simples, como parar de se preocupar com o que os outros pensam, já é um grande passo.

Todos temos uma ideia, mesmo que vaga, de como seria “viver de verdade”, olhamos para celebridades e pensamos: “aquele ali vive de verdade”. Bastam alguns minutos de reflexão para ter a nossa própria ideia de “vida plena”; cruzar um continente de moto, abrir a própria empresa pra fazer aquilo que gosta, mudar para uma casa no campo e viver do que planta.

Mas temos algo que nos impede de tentar, como dito no filme Waking Life toda a inércia humana vem de dois defeitos: preguiça ou medo. O arrependimento pelas coisas que deixamos de fazer por medo ou preguiça pode ser minimizado se temos a consciência dessas forças que nos estagnam.

Claro que essa mudança de perspectiva é demanda de muita força de vontade. Você não vai ler um texto sobre a morte e de repente mudar de vida, o que eu sugiro é uma longa reflexão através da filosofia existencial.

Autor

  • Formado em jornalismo, sempre trabalhou com programação. Depois, se especializou em marketing e agora está mais focado na disseminação da magia do caos e da filosofia zen.

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