Da Pesquisa Brasileira | Thaís Almeida: Biologia Vegetal e a Diversidade da Vida

Este artigo faz parte da série Da Pesquisa Brasileira, sobre quem cria conhecimento no Brasil
imagens: Thaís Almeida [em destaque, um contato com o Atlântico Norte, em Stony Beach]

Doutora e mestre em biologia vegetal pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e graduada em ciências biológicas pela mesma instituição, Thaís Almeida é pesquisadora e professora da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em Santarém. Com interesse central na “evolução e surgimento de novas espécies”, ela busca “aplicar ferramentas, metodologias e técnicas de ponta para pesquisar organismos tropicais” — não muito estudados — e mune a conservação ambiental, definindo espécies e indicadores de impacto ambiental. Além disso, atua com alfabetização científica: “Vejo no rosto de cada aluno nas minhas aulas, e especialmente dos alunos que oriento, como esse contato com a ciência abre as mentes deles para o mundo e para o próprio ambiente onde vivem”. Acesse o seu Lattes.

O fascínio da minha pesquisa para mim é que me torna capaz de entender um conjunto de organismos que são completamente diferentes de nós animais. As plantas são como que um universo a parte. Elas sobrevivem, se alimentam, se reproduzem de uma forma totalmente diferente dos animais. São uma resposta totalmente diferente do processo evolutivo às mesmas pressões ambientais que a linhagem dos animais sofreu

 

Quais seus interesses atuais, o que te levou a eles e o que pretende realizar?

Tenho tido mais interesse em entender o processo de evolução e surgimento de novas espécies, usando como modelo um grupo de plantas. Também trabalho com a relação evolutiva da história dessas plantas com as regiões geográficas onde elas ocorrem atualmente. Minha formação é em botânica, então sempre tive muito interesse pelas plantas. Uma outra linha de pesquisa que desenvolvo é a diminuição da lacuna do conhecimento em relação às plantas na Amazônia, mas como uma linha secundária de pesquisa (já orientei duas alunas de mestrado nessa linha).

O que me motivou a cursar biologia foi estudar evolução. Acho a vida uma das manifestações mais incríveis do Universo, sistemas tão organizados e complexos, lutando com a entropia. Estudar evolução sempre foi uma forma de desvendar um pouco mais essa manifestação incrível. Mas me interessei muito pela botânica durante a graduação e acabei cursando pós-graduação nessa área. Agora, como pesquisadora em uma universidade, consegui conciliar os dois interesses. Como meta de vida, acho que o que pretendo realizar com a minha pesquisa é entender o processo de surgimento da diversidade da vida (claro que dentro do universo que estudo, as plantas). Mas enquanto botânica, trabalhando com diversidade, também tenho muito interesse na formação de novos botânicos. Há um déficit muito grande de conhecimento em relação às plantas, e elas tem um interesse direto para a nossa sobrevivência, sejam enquanto formadora dos ambientes, seja na ciclagem dos nutrientes [referente ao processo pelo qual as plantas absorvem nutrientes e, após se decomporem, os disponibilizam novamente], do ciclo da água, sendo usada como alimentos ou fonte de fármacos. Então acho muito importante essa capacitação, que é parte do meu dia a dia enquanto pesquisadora e professora.

Como é a sua rotina de trabalho? Que infraestrutura (financiamento etc) a mantém?

Eu não tenho realmente uma rotina de trabalho. Trabalho manhã, tarde e noite e quase sempre finais de semana e feriados, de acordo com a demanda. Sou lotada para trabalhar 40 horas com dedicação exclusiva, mas essa carga horária é completamente tomada pelas aulas, encargos administrativos, reuniões. Um pouquinho da atividade de orientação é contada também nessa carga horária. As atividades de pesquisa e orientação acabam acontecendo além dessa carga horária oficial de trabalho. Por exemplo, se há um edital aberto para financiamento de pesquisa ou para concorrer a bolsas, faço isso a noite ou nos finais de semana. A infraestrutura que uso é basicamente o que a universidade me fornece, que, em se tratando de uma universidade no interior da Amazônia, é extremamente precária. Eu não tenho uma sala para trabalhar, tenho uma mesa em uma sala que divido com mais 25 professores. Não tenho tranquilidade para escrever um artigo, ou preparar uma aula. Além disso, eu tenho um espaço improvisado dentro da coleção científica que também coordeno (que também é improvisada). Mas geralmente é nesse local onde os meus orientados trabalham, e eles tem que se revezar nos diferentes turnos, porque não cabe todo mundo ao mesmo tempo. Esse espaço divido com mais dois professores e todos os alunos desses professores.

Para as atividades de pesquisa mais refinadas, por exemplo que envolvam biologia molecular (uma das ferramentas que uso), faço parceria com pesquisadores de outras instituições e uso os laboratórios deles. Agora tenho uma parceria com uma pesquisadora da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], que abriu as portas do laboratório dela para mim e para uma aluna de mestrado. Então para ir lá trabalhar, eu tenho que arcar com as despesas e geralmente vou durante as minhas férias, senão os meus colegas reclamam que eu estou viajando. A Ufopa até tem laboratórios onde poderia desenvolver a minha pesquisa, mas esses laboratórios tem “dono” (embora praticamente tudo lá tenha sido comprado com dinheiro público) e embora seja uma das pesquisadoras mais produtivas da universidade, não tenho acesso aos laboratórios. E o coordenador de um desses laboratórios está na gestão superior da universidade, ou seja, é impossível apelar para outras instâncias para conseguir o acesso. Então sacrifico meu dinheiro e minhas férias para ir para outra instituição fazer pesquisa.

Com relação a financiamento, até o momento tenho o de um edital de 2016 que ainda está vigente e é tudo o que tenho para financiar a pesquisa. Muito da pesquisa é financiado indiretamente através de bolsas e auxílios concedidas a alunos. Agora estou migrando para projetos que possam utilizar dados secundários ou ferramentas de baixo custo, porque não há mais financiamento para a pesquisa básica no Brasil e acho que tampouco haverá nos próximos anos.

Thaís postou essa imagem em seu Instagram: “Fungo que transforma insetos em zumbis, crescendo da pata de uma aranha depois de tê-la feito se enterrar 20 cm no chão da floresta. Incrível!”

Como você explicaria a importância, o fascínio do seu interesse de pesquisa a um leigo?

O fascínio da minha pesquisa para mim é que me torna capaz de entender um conjunto de organismos que são completamente diferentes de nós animais. As plantas são como que um universo a parte. Elas sobrevivem, se alimentam, se reproduzem de uma forma totalmente diferente dos animais. São uma resposta totalmente diferente do processo evolutivo às mesmas pressões ambientais que a linhagem dos animais sofreu. Então quando vejo os resultados da minha pesquisa, eu entendo um pouco mais sobre como a evolução ocorre, mas de uma forma totalmente diferente do que nós experienciamos. Nós andamos, como entender um organismo que não se move? Nós enxergamos o ambiente com os olhos, as plantas “enxergam” com todas as partes verdes. É muito fascinante ver essa outra manifestação dos mesmos processos que deram origem a todos os outros organismos (que também são muito fascinantes!). Com relação à importância, acho que o público leigo em geral não se dá conta da necessidade que temos de manter a integridade dos ambientes naturais, para a manutenção dos recursos essenciais à nossa sobrevivência. A crise da água no Sudeste do Brasil talvez tenha começado a despertar as pessoas para a importância de se parar o desmatamento imediatamente e preservar a Floresta Amazônica: a chuva que cai aí vem da transpiração das árvores daqui. Esse foi só um exemplo, mas para compreendermos a interconectividade dos sistemas vivos e abióticos, precisamos entender cada organismo, a sua história e o seu papel no todo.

Quais impactos você enxerga na sua pesquisa? Na área, para a sociedade, entre outros.

Para a área na qual pesquiso, o impacto da minha pesquisa é enorme. Estou gerando conhecimentos em grupos de organismos que não são muito estudados. A maior parte dos recursos de pesquisa investidos no mundo são em países desenvolvidos, cujos pesquisadores geralmente trabalham em suas próprias localidades ou apenas pontualmente nos trópicos. Onde está a maior parte da diversidade biológica do mundo é nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento (será que essa categoria existe mesmo?). Então eu tenho tentado aplicar ferramentas, metodologias e técnicas de ponta para pesquisar organismos tropicais. E com relação a pesquisa para se conhecer a Flora Amazônica, aí é que se sabe muito pouco mesmo. Isso é muito relevante para a ciência como um todo.

Com relação aos impactos  para a sociedade, eu trabalho com ciência de base. Muito do que faço tem usos indiretos para a sociedade. Os principais impactos da minha pesquisa para a sociedade são na conservação dos ecossistemas. Trabalho com um grupo indicador de qualidade ambiental que pode ser usado para avaliar impacto de grandes empreendimentos, por exemplo. Temos um projeto que monitora a exploração “sustentável” de madeira em uma Unidade de Conservação (UC) do tipo Floresta Nacional. A exploração envolve a retirada de algumas árvores de interesse comercial por área dentro da UC, e os engenheiros adoram dizer que é sem impacto. Entretanto, os resultados preliminares indicam que onde há a abertura de clareiras (por exemplo, onde as árvores são retiradas), as espécies que estudamos praticamente desaparecem ou o número de espécies cai drasticamente, se reduz a por exemplo 10% do que havia antes da retirada da árvore. Esses grupos, chamados bioindicadores, podem nos mostrar se estamos impactando o ecossistema natural. Eles são sensíveis o suficiente para nos dizer que, se estão sendo afetados, um grande conjunto de outros organismos também sensíveis serão afetados, o que quer dizer que vários processos ecológicos importantes para nós (ciclagem da água, dos nutrientes, ciclo de vida de polinizadores — até aqueles que polinizam as plantas que comemos etc). Trabalho também com a definição de espécies, o que tem um impacto direto na escolha de quais delas são consideradas ameaçadas de extinção e por conseguinte, quais serão foco de ações de conservação.

Mas um grande impacto da minha pesquisa, da pesquisa em geral no Brasil, é a alfabetização científica. Depois que ingressei na universidade como docente, vi que, especialmente fora dos grandes centros urbanos do Sudeste, há uma enorme carência de contato das pessoas com a ciência (e da ciência com as pessoas). Vejo no rosto de cada aluno nas minhas aulas, e especialmente dos alunos que oriento, como esse contato com a ciência abre as mentes deles para o mundo e para o próprio ambiente onde vivem. Tive alunos indígenas, de tribos aldeadas, que estão aqui apenas cursando a graduação, que ficaram fascinados com o que viram de pesquisa e quiseram conectar os conhecimentos tradicionais da tribo com a ciência. Também temos a oportunidade aqui de fazer essa ponte entre ciência e público leigo com comunitários, o que é bem recompensador. Além do papel de formação de cidadãos cientificamente letrados, é incrível ver o interesse por algo tão fenomenal com a ciência sendo despertado nas pessoas.

Por que pesquisar?

Precisamos entender o mundo onde vivemos se queremos continuar vivendo nele. As pessoas se esquecem que somos animais nessa teia que é a biota da Terra, só uma pequena parte desse aspecto físico do universo. Se não quisermos nos extinguir, precisamos compreender todos os aspectos que são tangíveis a nós (dadas as nossas limitações), para superarmos as dificuldades que a nossa espécie enfrenta e vai enfrentar cada vez mais no futuro, para sobreviver. A pesquisa fornece esse conjunto de informações. Mesmo não parecendo que cada informação em si seja relevante, está tudo conectado e precisamos de todas as peças possíveis para entender o mundo se quisermos sobreviver. O modelo atual de vida do Homo Sapiens, exaurindo e poluindo os recursos como se isso não fosse alterar o próprio ambiente onde vivemos, já se mostrou catastrófico. O crescimento descontrolado da população é, para mim, um dos principais problemas subjacentes a toda essa crise e eu não tenho visto ninguém abordando isso com a urgência merecida. Pode parecer idealista, mas sem a ciência e sem o conhecimento básico e aplicado sendo construído, revisto e expandido a cada dia, iremos nos extinguir, como qualquer outra espécie que já existiu.

Além desse propósito imediato, a pesquisa é o empreendimento humano que nos afasta mais da nossa animalidade. Imagina, somos animais capazes de explorar e criar explicações (mesmo que limitadas, mesmo que imperfeitas), sobre nós mesmos, sobre o ambiente em volta de nós. Somos capazes de fazer extrapolações sobre áreas tão distantes do universo que provavelmente nunca visitaremos (mas que conseguimos enxergar). Pensamos sobre o que não vemos, o que já existiu e o que já ocorreu, o que irá existir e o que irá ocorrer. Do ponto de vista pessoal, é uma forma fascinante de se viver.

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