Deise e a Selva de Pedra

“Quantos anos mais você acha que eu vou viver? Seja sincera, Deise”

“Alô, boa tarde! Por favor, o Sr. Marcelo Moraga.”

“É ele.”

“Sr. Marcelo, quem fala aqui é a Deise, representante do Banco…”

“Pois não…”

“Tudo bem?”

“E com você?”

“Tudo ótimo! Mas com o senhor tá melhor ainda, não?”

“Por quê?”

“O senhor atingiu uma idade plena e com perspectivas de ir bem mais longe ainda. Não é pra qualquer um.”

“Quantos anos mais você acha que eu vou viver? Seja sincera, Deise.”

“Quantos anos o senhor vai viver não sou capaz de dizer, pois não sou vidente. Mas uma coisa eu sei: o senhor acaba de se aposentar. Que boa notícia, a melhor do ano. Acertei?”

“De fato, é uma boa notícia. Mas como você descobriu isso?”

“O INSS enviou os seus dados pra nós.”

“Com você eu posso desabafar, Deise, pois me parece uma moça confiável. Por que o INSS divulga esses dados? Isso não deveria ser sigiloso? Tô indignado e perplexo.”

“Ah, não fica chateado, Sr. Marcelo, sempre divulgam essa lista, sempre. Tô com a sua memória de cálculo bem aqui na tela do meu computador.”

“Interessante…”

“Ah, a sua agência bancária fica no Itararé, em São Vicente? Que bacana. Eu morei anos em São Vicente. O senhor conhece a Praia do Gonzaguinha?”

“Você morou no Gonzaguinha?”

“Não, eu morava bem mais afastada, mas adorava pegar praia no Gonzaguinha. Que visual lindo. Ai, que saudade…”

“O visual combinava com o seu bíquini, Deise?”

“Agora eu moro aqui nesta selva de pedra, São Paulo. Sabe, Sr. Marcelo?”

“Pois não.”

“O banco… quer dar para o senhor iniciar a sua nova vida quarenta e quatro mil, quatrocentos e quarenta reais. O que me diz?”

“O quê? Eu fui sorteado?”

“Não, Sr. Marcelo. Eu quero dizer que agora o senhor pode fazer consignado, e nem precisa se preocupar, pois o INSS já desconta do seu benefício as parcelas do empréstimo. O senhor pega os quarenta e quatro mil, quatrocentos e quarenta reais e depois a quantia vem subtraída mensalmente, aos poucos, em parcelas suaves, e com a taxa de juros bem baixinha, pois se trata de consignado. O senhor nem vai sentir o impacto, eu garanto. O Banco… lhe reservou essa oportunidade. Que tal?”

“Não sei, Deise… O que você me recomenda?”

“A minha sugestão é que o senhor pegue o empréstimo, pois ele já é seu. Não tem erro! Vamos fazer o consignado agora?”

“Preciso pensar.”

“Anota o meu telefone… Se outra menina atender, manda me chamar. Tô aqui de segunda a sexta-feira, das três da tarde às nove da noite. Pega o empréstimo, Sr. Marcelo, e faça uma bela viagem. Aproveita, pois a vida é um sopro.”

“Não tem graça viajar sozinho, Deise.”

“Oh Deus! E eu aqui nessa selva de pedra.”

Marcio Calafiori
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