Julie Leal e a escrevivência do ensino

“Ser uma educadora é aprender, cotidianamente, a estabelecer trocas, desconstruir preconceitos e estereótipos”

A professora Julie Leal

No chão da escola, o professor se descobre. Quem aponta esse momento de autoconhecimento é Julie Christie Damasceno Leal, professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFPA, campus Belém/PA) e também escritora. Tendo atuado como educadora na rede estadual paraense entre 2009 e 2016, ela diz que “descobrimos, com o auxílio da escola, alguns elementos que nos são constituintes”. Mas o processo não para por aí, pois na escola o indivíduo é atravessado pelo coletivo e, sendo assim, “fazer a junção entre as vivências, narrativas próprias, e as experiências coletivas adquiridas na escola talvez seja o grande diferencial”. Em entrevista à Úrsula, Julie, que é doutora e mestre em letras e bacharel e mestre em filosofia conta também como se interessou pela educação desde o ensino fundamental e de como a filosofia lhe deu apoio em um momento de crise familiar.

O que te atraiu para a educação?

A educação se tornou atraente para mim desde a época em que fui estudante de Ensino Fundamental, pois aprendi a admirar e respeitar o trabalho dos educadores e mestres com os quais tive o prazer de estabelecer trocas. Desde aquele período da minha vida, comecei a identificar e valorizar a importância da educação para as futuras gerações, sendo que eu ainda era uma criança. Com o passar dos anos, a minha relação com o chão da escola e os professores e professoras tornou-se ainda mais afetiva e hoje posso afirmar que a educação é um compromisso social que exige engajamento, seriedade, ética e sentimento de coletividade.

Algo já te tentou a deixar a educação? O quê? O que te faz permanecer na educação?

Sim, eu pensei em deixar a educação quando a minha irmã desenvolveu problemas psicológicos. Naquele contexto, eu estava no início da licenciatura em Filosofia e desejei me tornar psicóloga para poder contribuir, de algum modo, no tratamento terapêutico necessário. Contudo, permaneci, pois acabei descobrindo uma profunda ligação com as questões e pensamentos filosóficos suscitados pelo curso. E algumas delas, inclusive, colaboraram no sentido de esclarecer problemáticas de cunho existencial, ajudando-me a lidar melhor com a situação de minha irmã.

Às vezes os professores criticam certas opiniões sobre a escola indicando que os críticos não conhecem o “chão da escola”. Como você define esse chão da escola? O que ele tem de particular?

O chão da escola é uma experiência, ao mesmo tempo, particular e coletiva. É uma escrevivência, [para usar um termo que] Conceição Evaristo [cunhou] em 1995, e [que] significa “escrever vivências”. Ou seja, no que se refere ao chão da escola, compõe e exige de nós um relato de nossas experiências subjetivas, pois descobrimos, com o auxílio da escola, alguns elementos que nos são constituintes, ainda que tais vivências sejam constantemente atravessadas por relações coletivas. E fazer a junção entre as vivências, narrativas próprias, e as experiências coletivas adquiridas na escola talvez seja o grande diferencial.

Ainda nesse sentido, o que as políticas públicas ou as ações dos governos poderiam entender melhor na abordagem das questões escolares?

Acredito que as ações governamentais poderiam compreender melhor o papel do professor e professora em sala de aula, estendendo a estes profissionais políticas de valorização da docência em nosso país, com incentivos por meio de bolsas de ensino, pesquisa e extensão e valorização salarial. Além disso, entender que a educação e o acesso a escolas públicas com infraestrutura satisfatória, no Brasil, é, acima de tudo, um direito humano elementar.

O que é ser uma educadora?

Ser uma educadora é algo desafiador e estimulante. Enquanto educadora sinto que, a cada aula ministrada, eu consigo me tornar uma pessoa mais curiosa, dinâmica e comprometida com as futuras gerações, pois exercito a minha consciência coletiva enquanto leciono. Ser uma educadora é aprender, cotidianamente, a estabelecer trocas, desconstruir preconceitos e estereótipos, bem como a despertar o pensamento crítico e reflexivo dos estudantes em relação à vida e todas as suas grandes questões.

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