Relicário | Adriana Lisboa

Objetiva, concisa, Adriana Lisboa fala sobre como seus costumes de leitora e sobre os livros que lhe marcaram na infância e adolescência

Ler não é só ler, um livro não é só um livro. Cada um se relaciona de forma diferente com o objeto livro, colecionando, protegendo ou rabiscando — e as histórias e as ideias que eles trazem vão ser parte de conversas, vão ser fonte de lembranças. A arte também é uma relação afetiva. É desse lado, desse relacionamento, que a seção Relicário trata. Neste mês, entrevistamos a escritora Adriana Lisboa. Ela publicou publicou os romances Os Fios da Memória, Sinfonia em Branco, Um beijo de Colombina e Rakushisha, entre outros livros de contos e livros infantis. O site oficial traz um trecho de “Densidade”, do livro de minicontos Caligrafias (p. 79):

No meio do caminho tinha uma pedra porosa. Dava para ver seus grãos. Chegando mais perto, raios finíssimos de sol atravessavam a pedra. Mais perto ainda, um turbilhão, um pequeno redemoinho (uma galáxia minúscula) se movia lá dentro, no leve corpo da pedra.

A pedra, no meio do caminho, era permeável: se chovesse, ficava encharcada. O vento a enchia de poeira, pólen e cadáveres de insetos. O calor do meio-dia a deixava com sono e sede. A neblina que às vezes baixava no fim da tarde invadia a pedra, no seu corpo as nuvens trafegavam sem pressa. Os sons passavam por ela e iam se extinguir em algum lugar desconhecido. Na pequena galáxia dentro da pedra havia pequenos planetas orbitando em torno de sóis de diamante.

Como você guarda seus livros? Organiza segundo algum critério ou não? Encapa ou usa algum tipo de proteção?

Não encapo nem uso qualquer proteção além de limpá-los individualmente com um pano úmido uma vez por ano ou coisa assim (dica de uma bibliotecária). Organizo-os por nacionalidade de autores.

Qual a sua relação física com os livros? Anota nas páginas, quando dá de presente, faz dedicatórias? Ou acha que tudo isso estraga o livro?

Anoto nas páginas, dobro a ponta, sublinho. Mas não faço dedicatórias quando dou de presente, não (a menos que a autora seja eu).

Você empresta livros? Se sim, por quê; se não, por quê.

Empresto, mas em geral me lembro do que emprestei para quem. E quando é um livro querido, peço de volta.

Você dá livros de presente? Dá os livros que você mesmo gostou ou tenta descobrir o que a pessoa gostaria?

Dou muitos livros de presente. As duas coisas acontecem: presentear os outros com livros de que gosto (e de que acho que a pessoa também pode gostar), ou presentear com livros de que nunca ouvi falar, porque me sugeriram ou porque a pessoa quer.

Qual a sua relação com o conteúdo dos livros? Usa algum método para não esquecer do que leu? Costuma reler ou não? Copia citações ou conta para os outros as partes que lhe marcaram?

Não uso nenhum método para não esquecer, e frequentemente esqueço. Mas releio bastante, também. Não costumo copiar citações com muita frequência, mas sublinho ou marco no próprio livro o que gostei, assim fica mais fácil reencontrar.

Você se lembra do primeiro livro que leu? Foi uma experiência marcante? Se não, qual foi a primeira experiência marcante que teve com livros?

Não me lembro do primeiro livro que li. Lembro-me de algumas leituras marcantes da minha infância, com os livros da Lygia Bojunga principalmente. Achei O Sofá Estampado uma coisa sensacional quando li, criança. Gosto muito da Lygia até hoje. Mas o primeiro livro “adultil” que li e me marcou profundamente foi Memórias Póstumas de Brás Cubas, que li aos catorze, presente do meu primeiro namorado.

Os livros que lê fazem parte das suas conversas? Seu grupo de amigos costuma ter discussões em torno dos livros, mesmo em momentos de descontração?

Fazem parte sim, mas fico sempre atenta para que as discussões não se tornem chatas caso alguém do grupo não tenha lido o livro ou os livros em questão, ou simplesmente não esteja interessado no assunto.

Acha que o livro, como objeto, pode ser trocado por um e-book? Se acha que não, isso não seria possível mesmo com o Kindle, que imita uma página de livro, não emite luz e baixa quantos livros quisermos?

Acho que pode, embora eu ainda não tenha tido essa experiência de e-book, então não sei dizer se é confortável ou desconfortável. O Kindle é ecologicamente muito mais viável do que os livros de papel, que no entanto podem circular por aí em sebos. O maior problema do Kindle, pra mim, é que ele não é emprestável. Compro um livro e depois não posso emprestar pro meu marido nem pros meus filhos, nem pros amigos próximos. Isso inviabiliza a coisa.

Qual livro que ainda não leu (ou que quer reler) gostaria que fosse seu último?

Alice no País das Maravilhas. De tempos em tempos releio. Se fosse pra encerrar a carreira de leitora, seria com ele.

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