Originais ou Versões: um Impasse na Música

imagem: Um show da banda nouvelle Vague | crédito: Kmeron

Há tempos que tenho como preocupação — ou, ao menos, como interesse de observação — um fato relacionado a ambientes de socialização (bares, livrarias, salas da casa de amigos) da dita geração Y (da qual eu faço parte): a música que ouvimos. Sendo uma expressão cultural, a música reflete a epistemologia dos produtores e ouvintes aplicada ao mundo que os cerca; em outras palavras, é um espelho da forma como nós vemos o mundo. Genericamente: adolescentes presos em uma família carola demais ouvem um heavy metal barulhento, rápido, e agressivo que fale sobre matar Jesus; meninas descobrindo sentimentos e rejeição de seus affairs ouvem a Ariana Grande falando sobre o amor virginal; caminhoneiros ouvem a Roberta Miranda falando sobre as belezas da natureza e sobre ir-se com Deus.

Mas, e nós, o que ouvimos fala o quê?

Somos ecléticos — eu sei. Mas e quanto àquelas bandas e cantores que são próprios da nossa época?

Bem, eu poderia dizer sobre bandas que falem sobre aproveitar a vida, sobre a falta de perspectivas no futuro distante e sobre o fim da monogamia no amor. Isso é parte dessa geração. Uma outra parte, porém, de que aqui intendo tratar, fala… exatamente do que bandas anteriores falavam, pois não são originais, são covers — as ditas, versões de músicas que fizeram sucesso em anos anteriores.

Não precisa me atacar com uma pedra em cada mão dizendo que covers existiam antes da geração Y. Eu sei disso; o que eu quero apontar é um fenômeno curioso que notei nos lugares citados, bares, livrarias e casas de amigos, que é de bandas fazendo covers de músicas de sucesso (principalmente) dos anos 1980, em ritmo mais lento, minimalista, com vocais quase sussurrados.

Sim, eu estou falando da Nouvelle Vague — entretanto, não é apenas deles. Não é só essa banda francesa formada por Marc Collin e Olivier Libaux e seus colaboradores que faz isso. Tanto que eu, uma vez, estava num café na região da Vila Madalena (bairro “alternativo” de São Paulo), e lá ouvi alguma dessas músicas e perguntei ao garçom se era Nouvelle Vague – e não era (não me pergunte a banda/música, não lembro)!

E, mesmo que não exista tantas bandas dedicadas apenas em fazer covers, pensemos no que significa fazer um cover no formato mais ou menos similar a esse acima citado: vira sucesso. No Spotify ou no Youtube, será ouvida, a banda fica conhecida, eventualmente vende sua versão pra um comercial…

A questão, de qualquer forma é: o que será que significa pessoas com enorme talento se dedicarem a um trabalho tão cuidadoso em cima de músicas que em tempos anteriores fizeram tanto sucesso? E por que essas versões fazem, elas também, tanto sucesso, apesar de existirem as originais?

Aqui o que pretendo não é dar alguma reposta. É levantar hipóteses para algum crítico cultural em busca de um tema para seu artigo Capes Qualis A1. Penso em algumas:

Será que uma banda que investe talento e bílis em refazer sucessos anteriores é um grupo de pessoas apaixonadas pela arte, mas inseguras quanto a se arriscar em composições originais?

Será que essas músicas mais lentas significam um desejo (oculto no subconsciente) de buscarmos uma vida mais lenta e estável?

Será que nosso desejo oculto não é o de viver sem preocupações e conflitos sociais e econômicos para os quais não temos resposta (quer dizer, a gente sabe o que “faríamos” se fossemos nós na Era Collor, porque a gente leu o que teve de ser feito…)?

Será que o sucesso dessas músicas se deve a nós precisarmos, eventualmente, de um lugar de segurança e felicidade incontestável (digamos, nossas infâncias nos anos 1980/1990) para conseguirmos viver os eventuais medos e tristezas de nosso agora?

Penso nessas hipóteses, certamente existem outras — e o fato é: a gente ouve esse tipo de música e, por algum motivo, fica feliz quando ouve. E, às vezes, até preferimos essas versões aos originais ou às músicas de bandas novas. Talvez estejamos, sim, buscando segurança, estabilidade e a falta de grandes surpresas para as quais não temos ainda uma resposta. E a verdade é que enfrentar esses problemas (insegurança, instabilidade e novos rumos mundiais) é o que marca uma geração.

Assim, finalizo com outro talvez. Pode ser que enfatizar tanto uma nova versão do passado signifique, enfim, que não estamos sabendo lidar com nossos problemas e responsabilidades — ou, ainda, que não estamos nos preocupando tanto em pensar, preferindo só viver, um dia de cada vez, sem grandes surpresas ou novidades.

Autor

  • Autor dos livros de poesia Nada (Patuá, 2019) e Hinário Ateu (Urutau, 2020). Já publicou em revistas como Mallarmargens, 7Faces, Zunái e publica com regularidade nas revistas Úrsula e Subversa.

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