Nathan Matos, da Substânsia e da Moinhos

Trouxeste a Chave? é uma série que reúne depoimentos de editores sobre o seu ofício e sobre como escolhem os bons autores. Desta vez, falamos com Nathan Matos, da Moinhos e da Substânsia. Nathan é doutorando em literaturas modernas e contemporâneas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestre em literatura comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Criou o LiteraturaBr.

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Por que trabalhar com editoração? Por que manter uma editora?

Eu amo livros, como qualquer outro leitor, mas nunca soube como realmente um livro era produzido. Vim saber de todos os detalhes e as etapas de produção de livros há poucos anos, quando o Eduardo Lacerda me incentivou a abrir uma editora no Ceará. Seguindo os conselhos dele eu pude descobrir um novo mundo, algo que eu não conhecia e que me fez perceber que a edição de livros é algo apaixonante e algo que realmente amo fazer. É isso que me mantém vivo enquanto editor. Digo isso porque a dificuldade de se manter uma editora só acontece devido a minha teimosia, à teimosia dos editores de pequenas casas editoriais. Acho que só se mantém uma editora quem é teimoso, persistente, além de se importar bastante com a sociedade em que vivemos e quanto à cultura do país.

A editoração é mesmo um modo de influir na cultura, como se diz? O que ela pode realizar?

O editor tem um papel bem maior, sociologicamente falando, do que apenas gerenciar e editar a produção de um livro. Acredito que ele deve pensar na realidade cultural em que está inserido e buscar compreender isso. É necessário que o editor busque soluções para que o livro e a leitura possam estar mais presentes no dia a dia de cada brasileiro, por exemplo.

A realização de eventos literários, como tem acontecido em diversas regiões do país, deveria buscar um elo mais forte, por exemplo, com as periferias das cidades e as escolas públicas. Um exemplo fantástico disso é o “Ação Leitura”, projeto realizado pela editora Jovens Escribas, em Natal, no Rio Grande do Norte. Além de criar um laço entre os autores, editores, professores e alunos, o projeto faz com que a literatura da região chegue até os alunos em parceria com as escolas públicas fazendo essas adotarem os livros da editora. E isso não é regionalismo, porque no Brasil ainda se faz necessário que os brasileiros conheçam os seus autores. Assim, penso eu, contribui-se diretamente com o mercado e com a cultura.

Outro ponto a se destacar é a percepção que o editor tem de ter para dar voz a pessoas que estão fora do mainstream, é necessário que publiquemos mais obras de mulheres, de pessoas negras, de homossexuais, de indígenas para que possamos ter uma visão ampliada do que realmente ocorre em nossa sociedade.

Como escolher a “boa” obra a ser publicada? Ou: que critérios de seleção vocês seguem?

Na Moinhos — editora que ajudei a fundar, há poucos meses, com a Camila Araujo –, temos algumas metas, como publicar nos próximos anos algumas obras desse feitio, é algo que queremos fazer porque achamos que é necessário fazer. Pensamos em contribuir de alguma forma com esses nichos que ainda se sentem desfalcados, abandonados. No último ano, por exemplo, uma editora fantástica teve que fechar as portas, a Editora Malagueta, onde o objetivo da editora era dar voz a autoras lésbicas. Nós queremos publicar obras desse teor, queremos ter em nosso catálogo mais mulheres, por exemplo, uma vez que é bastante comum vermos que a maioria dos catálogos das editoras brasileiras são compostas por autores homens.

Mas como fazer isso? Primeiro temos que fazer com que esses autores cheguem até nós. Depois, temos que entender que, apesar do que queremos, temos que levar em consideração a qualidade dos textos que nos chegam. O que é sempre um ponto a se discutir evidentemente.

É impossível afirmar que para a escolha da publicação de nossas obras conseguimos deixar nosso gosto de lado. Mas, por também não conhecermos tanto esses nichos aos quais queremos publicar, é preciso analisar com cuidado as obras que nos chegam. É preciso entender que a escrita que esses grupos realizam pode, e deve, ser diferente do que estamos acostumados a ler, uma vez que a maioria do que lemos é produzido por homens brancos heterossexuais de classe média, por exemplo.

Além disso, é indispensável, para nós, que o livro seja bem escrito dentro da proposta do autor, e isso tem que estar visível. Não é que tenha que ser bem escrito gramaticalmente, não é isso. Ele, além de possuir um bom texto, tem que dizer a que veio, tem que evidenciar o seu estilo, tem que fazer da sua escrita a sua ferramenta mais valiosa para o leitor e isso tem que saltar aos nossos olhos. A partir daí, podemos nos encontrar pra conversar a respeito da publicação da sua obra.

Como é a relação com os autores? Ou: como a editoração deve lidar com o trabalho criativo de alguém?

Num primeiro instante, geralmente, as conversas com autores e autoras são muito boas, é um momento onde todas as dúvidas são tiradas e tudo é esclarecido. Eu poderia dizer que a relação com os autores é sempre maravilhosa, mas não. A verdade é que alguns pensamentos e opiniões entre editora e autor não convergem e acabam prejudicando a produção do livro. Mas eu acho que se a conversa sempre for sincera, se o editor conseguir deixar claro que só tem intenção de contribuir para o texto do autor, este talvez se mostre mais disposto e aberto às críticas. O editor tem que entender que nem tudo deve estar da maneira como ele acha que deve estar, que ele não é o detentor da razão, assim como o autor. Um texto original, como chega à editora, nunca deve ser o mesmo que o leitor irá ler, pois o processo de discussão da obra entre autor e editor dará novos rumos a esse original.

Quais as condições da atividade editorial no Brasil? Algo de particular por aqui que condicione, positiva ou negativamente, o seu trabalho?

A falta de profissionalização no mercado editorial é preocupante. Há pouco tempo, tem sido possível observar a criação de alguns cursos voltados para o setor de editoração no país, como os cursos que a Universidade do Livro (Unil), da Unesp, realiza; ou o MBA realizado pela Casa Educação, de São Paulo; ou a pós-graduação realizada pela Nespe, do Rio de Janeiro. Fora isso, temos algumas universidades que possuem cursos de graduação e pós voltados para a edição.

Mas isso, a meu ver, ainda é pouco.

Além disso, vejo algo de negativo entre os próprios editores. Muitos editores, principalmente os de pequenas editoras, como eu, começam no mundo da edição sem experiência alguma e acreditam que a experiência junto ao tempo lhe trará o que é necessário para aprender a lidar com o mercado e a produção do livro. Errado. É necessário conversar com outros editores e profissionais que constituem a cadeia do livro, é preciso fazer cursos, se profissionalizar. É preciso conhecer o mercado, e o que eu sinto é que muitos editores desconhecem o mercado, querem alavancar sua editora, seus livros, achando que apenas o sonho de editar livro vai ser o bastante. Acredite, não é. A experiência, com certeza, fará com que aprenda muito, mas o caminho pode ser mais curto e mais produtivo se a escolha for o da profissionalização.

Qual a maior lição (ou quais as maiores lições) que trabalhar com editoração trouxe a vocês?

É preciso ter paciência. A leitura de um livro e sua produção é algo que tem de ser feito com muito cuidado e carinho. O livro é um produto a ser comercializado, é verdade, e isso, às vezes, é duro de aceitar. Mas o livro é também o objeto de arte de um artista, uma pessoa que se ocupou de produzir algo que diga a muitas outras pessoas como é possível estar no mundo e de que forma é possível vivê-lo, enfrentá-lo. E também só me fez ter certeza que o livro ele ensina, às vezes, coisas que você não aprende em lugar nenhum e que ele pode ser uma ferramenta de aprendizado e prazer para toda a sociedade.

 

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