Juliana Moraes: Dança e Liberdade

Seis dicas da bailarina, coreógrafa e professora Juliana Moraes para quem quer construir uma carreira em dança

Cena de Eu Elas (2016) | imagem: Flickr de Juliana Moraes

1.

Com qual área de dança se deseja trabalhar? Se for com interpretação, a pessoa pode buscar aulas de diferentes linguagens e desenvolver suas habilidades técnicas, o que, hoje em dia, também inclui improvisação e criação. Se o desejo for trabalhar com coreografia, é importante se aproximar de artistas que façam trabalhos com os quais a pessoa se identifique, e, aos poucos, se arriscar a criar suas próprias peças e apresentá-las. Se a ideia for produção, o interessante é começar trabalhando como assistente de algum produtor ou produtora mais experiente, para entender as características do mercado. Se a vontade for refletir sobre dança, pode-se ingressar em núcleos de estudos e escrever críticas e reflexões em blogs, sites e, depois, em revistas e jornais. Enfim, há diversas maneiras de começar a se trabalhar com dança.

2.

Cuide bem do seu corpo e da sua cabeça. Alimente-se bem, busque professores conscientes que não forcem seu corpo para além do que é saudável. Cuidado para não entrar em ambientes competitivos nos quais a individualidade de cada um é desconsiderada em função de um ideal de beleza ou de técnica. Há inúmeras formas de se dançar hoje em dia, então se você se sentir desconfortável fazendo uma linguagem, talvez seja melhor mudar o tipo de dança que você faz em vez de tentar de adequar de todo jeito naquela forma que está te causando angústia. Busque amigos e relações positivas, gente que goste de passar tempo com você e que te faça bem. Gente com quem você tenha sintonia para criar, se mover junto. Assista a filmes de arte, vá a exposições em museus e galerias, tente assistir a performances e peças de teatro. Evite qualquer caixinha fechada e pensamento pronto do que deve ou não deve ser uma boa dança. Procure festas folclóricas (se você não tiver a sorte de já viver em um ambiente que as cultive), descubra o Brasil que dança fora dos palcos. Se puder, viaje ao exterior para aumentar cada vez mais seu repertório. Enfim, cuide do seu corpo, da sua cabeça, busque ambientes saudáveis e cultive sua curiosidade.

3.

Há tantas referências quanto há diferentes formas de dança. Para quem gosta de danças urbanas, nada melhor do que ir nos desafios que se espalham pelos diferentes cantos das cidades, nos quais jovens se encontram para treinar. Para quem curte balé clássico, hoje em dia não faltam vídeos na internet dos grandes clássicos sendo dançados pelos maiores bailarinos de todos os tempos. Para eles também indico um livro que saiu recentemente sobre a história do balé, Os Anjos de Apolo, da escritora Jennifer Holmans. Li e achei muito bacana, pois traça um panorama da evolução do balé desde o Renascimento. Para mim, é fundamental saber que o balé se construiu ao longo de séculos para se abandonar a ideia equivocada de que essa técnica seria a mãe de todas as outras. Essa é uma ideia colonizadora e precisamos estar atentos a isso para não desmerecer outras formas de dança, tão interessantes quando o balé, mas que não têm sua história ligada às elites. Para os que gostam de dança contemporânea, sempre indico ver os filmes de Pina Bausch. São lindos e mostram o quanto a dança pode ser expressiva para além dos cânones mais tradicionais. Os que curtem coisas mais experimentais precisam ir a festivais, mostras e espaços mais alternativos. Nesse último caso dá mais trabalho, pois os artistas mais experimentais não são muito conhecidos do grande público e não têm acesso às grandes mídias.

4.

Há um ditado japonês que diz ser melhor ficar três anos procurando um bom mestre do que estudar três anos com um ruim. Concordo plenamente. Se você pratica com um mal professor, seus músculos passam a se organizar de uma maneira que será difícil reorganizar. Isso pode impactar em sua postura e atrapalhar a fluência dos movimentos. Então vá atrás de professores com boa formação, e isso quer dizer gente que conheça o funcionamento anatômico do corpo, especialmente o sistema músculo-esquelético. E se não estiver contente ou achar que o treinamento está te machucando, mude de professor ou de escola. Cada vez mais os professores hoje em dia buscam se reciclar e se abrem ao entendimento de que a saúde do corpo está relacionada ao bom uso das articulações e da musculatura, mas infelizmente ainda há lugares que só se preocupam com a quantidade e não com a qualidade.

5.

Comecei a dançar ainda criança, fiz faculdade de dança e depois passei um período de estudos no exterior. Então considero que comecei a trabalhar com dança no meu retorno ao Brasil, em 2001. No início trabalhei como professora de crianças, mas não levava muito jeito. Descobri que eu preferia trabalhar com adultos, e aos poucos fui notando que também gostava de dar aulas para artistas com outras formações, como artistas visuais e atores. Também na minha vida como artista tentei várias coisas, e fui percebendo que gosto mais de criar solos e parcerias com outros artistas do que de cargos de comando, como a direção de uma companhia de dança, por exemplo. Outra coisa importante que percebi logo no início foi que era importante saber falar e escrever sobre o meu trabalho, pois era através de projetos que conseguia que diferentes instituições acreditassem nas propostas e as financiassem. Isso continua até hoje, em escala ainda maior, pois nos últimos anos a dança se profissionalizou muito na área de elaboração de projetos.

6.

A dança é um campo muito grande de atuação, não há uma linha de pensamento ou uma estética que deva prevalecer. Para mim essa pluralidade é fundamental, pois quanto maior a liberdade de todo o campo da dança, maior a minha liberdade de atuação. Então lutar pela minha forma particular de expressão em dança significa lutar para que a pluralidade permaneça, para que aquilo de mais diferente de mim tenha lugar e possa ser considerado em sua plenitude. A dança só faz sentido se ela for um espaço de liberdade.

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