Guilherme Kroll, Natália Tudrey e Flávia Yacubian, da Balão Editorial

Trouxeste a Chave? é uma série que reúne depoimentos de editores sobre o seu ofício e sobre como escolhem os bons autores. Desta vez, falamos com os editores da Balão Editorial: , graduada em Editoração pela Universidade de São Paulo (USP) e tradutora; , graduado em Editoração pela USP, tradutor e autor de 100 Super-Heróis; e , graduada em Editoração pela USP.

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Guilherme Kroll: Eu sempre gostei de ler, especialmente quadrinhos. Aí, pra mim, rolava um desejo de interferir na produção, de participar do que é feito e o que deixar de se fazer. Fazer alguma diferença pro mundo, ajudar projetos que, sem a nossa presença, talvez não ganhassem vida.

Natália Tudrey: Gostar de ler com certeza foi o motivo para escolher a editoração (acho que é para a maioria)! Depois da faculdade e de trabalhar em outras editoras, sentimos a necessidade de ter o controle do nosso trabalho e da nossa produção e por isso abrimos a Balão.

Flávia Yacubian: Gosto de ler, claro, mas também de gerenciar conteúdo, tornar algo que só existe no mundo das ideias acessível, passar do projeto à execução e depois ao real; todo esse processo me interessa muito. Quanto a abrir uma editora própria, acho que a necessidade de independência, a autonomia, a esperança de mudar algo no mercado de trabalho editorial que muitas vezes castiga seus componentes.

Guilherme: Com certeza é uma forma de influir na cultura. Por meio da editoração livros e leitores se encontram e isso ajuda na formação de um pensamento crítico e maduro.

Natália: Acho que todas as áreas da comunicação influenciam a cultura. Talvez o editor de livros fique mais fora dos holofotes, mas ele faz uma série de escolhas que podem mudar a forma de uma pessoa encarar uma questão. Se pensarmos no livro didático, isso é muito claro, mas acontece com todas as publicações.

Flávia: Acredito que sim. Atuamos como a ponte que liga o produtor cultural ao público. Claro que há como se fazer isso sem essa ponte, mas estamos aqui para facilitar o processo, auxiliarmos.

O diálogo tem que ser honesto e flexível. Editores e autores precisam estar conscientes de que esse relacionamento só dá certo se muitas variáveis estiverem a favor

Guilherme: Para nós, a obra tem que ser relevante, ter algo artístico que consideremos que seja importante e interessante. Mas um livro de ficção, uma HQ ou uma obra literária tem que entreter também, acho importante não desconsiderar a importância do valor catártico em uma obra cultural.

Natália: Gostamos de dizer que publicamos aquilo que gostaríamos de ler.

Flávia: Trabalhamos em diversas frentes: com o autor indie de HQ que deseja publicar por uma editora, com o resgate de traduções em domínio público que ainda não foram apresentadas ao leitor brasileiro, com livros acadêmicos que tratam de assuntos importantes para a área de humanas, enfim, um vasto leque para que possamos abranger tudo que nos interessa e que consideramos importante, como disse o Guilherme, e também tentamos humildemente preencher algumas lacunas do mercado, do que há disponível por aí.

Guilherme: Pensamos que os autores tem que ter a palavra final em um livro. A editora tem os direitos da obra por um período limitado, mas o autor tem sua autoria eterna, então, naturalmente, é dele a palavra final. Mas temos nossos limites, há coisa que sugerimos, coisas que toleramos e coisas que não curtimos. Mais de uma oportunidade, um livro que estava em estágio avançado de produção acabou não sendo publicado por divergências com o autor. É um processo natural, o trabalho final precisa ser do agrado de todos.

Flávia: O diálogo tem que ser honesto. Editores e autores precisam estar conscientes de que esse relacionamento só dá certo se muitas variáveis estiverem a favor (agenda de publicações da editora, viés artístico do autor, em que ponto da carreira ele está, condições financeiras etc) e deve haver também flexibilidade de ambas as partes.

A troca com o leitor mostra os erros e acertos, o impacto das obras — e a pessoalidade torna-se coletividade

Guilherme: É difícil. Não somos um país leitor essencialmente. Isso vem mudando nos últimos dez, quinze anos, mas ainda estamos longe de ter um mercado editorial sólido e consistente. Acho que o ponto de partida do mercado editorial é a educação que, ao meu ver, não contribui essencialmente para a formação de leitores. Em todas as classes sociais, em todas as escolas, as crianças e os adolescentes não saem grandes leitores. Acho que isso é o que mais condiciona o nosso trabalho.

Flávia: Um aspecto positivo é que muitas coisas legais, mas já batidas em outros mercados ainda são recebidas positivamente por aqui. O fato de ainda termos muito a crescer amplia muito as possibilidades e é empolgante.

Guilherme: Um livro pode mudar a vida de alguém. Vale a pena publicar, vale a pena editar. Mesmo que só tenhamos um leitor, pois esse livro pode ser importante para ele.

Natália: Que a imparcialidade realmente não existe. Todo editor (e todo comunicador) faz escolhas em seu trabalho, e é com isso que o público vai ter contato. É muita responsabilidade!

Flávia: Apesar de toda a “pessoalidade” nas tomadas de decisão que comentamos (“escolhi a editoração porque gosto de ler” ou “publicamos o que gostamos de ler”), a troca com o leitor mostra os pontos em que acertamos ou erramos, o impacto das obras — e assim a pessoalidade torna-se coletividade.

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