Fabio Toste e uma adaptação audiovisual de “Tabacaria”

“Tudo é representação, a mais simples estrutura visual pode servir de base para o pensamento”

“Nada no filme está lá à toa”. Paz e Liberdade é um curta-metragem produzido por alunos da Universidade Metodista de São Paulo. O filme é baseado em Tabacaria, poema de Fernando Pessoa sob o heterônimo de Álvaro de Campos, juntamente com a música do compositor erudito Karlheinz Stockhausen. A ação transcorre em um fluxo rápido de imagens e referências com a ladainha sem fim de uma língua inexistente e o enredo sendo levado pelas legendas. Com cinematografia inspirada em Clube da Luta e O Fabuloso Destino de Amelie Poulain, o curta propõe uma interpretação para os temas paz e liberdade, sob a luz do 11 de Setembro.

Foi dirigido por Fabio Toste, com roteiro e produção de Toste, Aldo Tozzo, Erika Yumiko, Diego Fernandes e Thiago Luiz. O diretor foi entrevistado por Capitu e explicitou seus pontos de vista.

Por que Fernando Pessoa, por que Tabacaria? Como foi escolhido essa tema?

O tema em questão foi escolhido pelos professores como tema para o projeto, a leitura poderia ser livre, mas o tema em si tinha que ser obrigatoriamente o poema e a obra de algum músico contemporâneo, no caso, através de sorteio, o trabalho foi fundado sobre a obra do músico experimental Karlheinz Stockhausen. No caso, o tema foi arbitrário, a interpretação livre.

Tabacaria me parece bem mais centrado na posição que o indivíduo tem sobre si mesmo, sobre o que ele pretende, sobre o que conseguiu, sobre o que conseguirá. Paz e Liberdade me parece centrado na relação do indivíduo como o mundo. Enquanto no primeiro Fernando Pessoa descreve a incapacidade de realizar qualquer coisa e a inutilidade de querer realizar qualquer coisa, no seu vídeo o protagonista está preocupado em se é possível viver em paz ou ter liberdade. Essa diferença é proposital? Como partindo do primeiro se chegou ao segundo?

Sim. Concordo. O que o protagonista de Paz e Liberdade tem em comum com Álvaro de Campos (Fernando Pessoa) é a insatisfação e o método de pensamento, a construção lógica (ou ilógica) de suas idéias. É o olhar e pensar, é a terceridade de Pierce, a análise pura dos símbolos imagéticos. O filme está cheio deles, tudo é representação, a mais simples estrutura visual pode servir de base para o pensamento, algo como Fernando Pessoa fazia ao observar o mundo através da janela, mas no caso do filme Paz e Liberdade as janelas são maiores e mais amplas, a TV, a janela de seu quarto, o computador. A mudança fica por conta da relação homem/homem e homem/mundo. Existe também uma semelhança melancólica, o pensamento frágil e degenerado, pessimista.

Uma das influências assumidas do vídeo é Clube da Luta. Não notei qual a influência visual, mas certamente a ideologia do filme tem algo desse filme. Qual foi a marca dele na obra de vocês? Vocês repetem a crítica social que Clube da Luta faz à sociedade?

Exatamente. Visualmente seria até difícil reproduzir algumas cenas do clube da luta em um trabalho acadêmico, ficamos por conta da crítica social. O filme clube da luta é ácido, critica a sociedade e seu comportamento a cada momento, acho o texto excelente e adoro a música tema, principalmente pela letra. Se prestar atenção o pensamento de Marcos no filme tem muito da música tema do Clube da luta. Existe uma irreverência marcante no Clube da Luta e no filme Paz e Liberdade esta irreverência está nos contrastes entre o que é dito e mostrado, a todo momento Marcos pensa e as imagens mostradas dão a pitada de irreverência, como na parte em que ele fala “democrata”, na tela aparece um site de venda de sapatos da marca democrata, é bem sutil, mas está lá. Isso acontece, pois acho que seria difícil simbolizar um verdadeiro democrata (se é que ele existe, acho que só o sapato mesmo); é uma critica à democracia. Como disse, nada no filme está lá à toa. Outra semelhança esta por conta dos atentados que é exatamente o que acontece no final do filme Clube da Luta, as referências podem ser encontradas em toda parte.

A influência de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain é bem flagrante. Por que se decidiram por esse filme? Afinal, é um filme sobre amor e se é um pouco triste às vezes é na maior parte das vezes divertido, também pelo tipo de narração. Então vocês transportam esse estilo para um filme melancólico e cheio de angústia. Queriam criar um choque com a intertextualidade?

O Fabuloso Destino de Amelie Poulain é lindo, em todos os sentidos. O modo da construção narrativa, a fotografia, o enredo, tudo. Adoro o filme. Por este motivo na hora de criar a narrativa e execução ele foi referência, mas é obvio que não foi direta e nem daria, pois o tempo de Paz e Liberdade é muito curto para retratar tamanha beleza que é a construção de Amélie Poulain. Tentamos usar algumas linguagens visuais e idéias da narrativa com, por exemplo, apresentar o personagem antes de apresentar suas idéias, exatamente como acontece em Amélie. De resto não há referencias, o enredo de Amélie conta uma história linda e cheia de idéias divertidas e bem colocadas, bem diferente do Paz e Liberdade que está bem mais para Clube da Luta como dito anteriormente. Claro que estas são referências citadas e mais diretas, mas o filme tem diversas referências pessoais e pensamentos próprios, tudo que penamos e sentimos pode estar presente no filme, na hora de escrever um roteiro, texto , etc. é impossível deixar de lado a carga pessoal.

Autor

  • Jornalista formado pela Universidade Santa Cecília. Doutorando e mestre em Ciência da Informação e graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduando em Filosofia Intercultural pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Especializado em Gestão Cultural pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc), um núcleo da USP. Como escritor, publicou o romance "As Esferas do Dragão" (Patuá, 2019), e o livro de poesia, ou quase, "*ker-" (Mondru, 2023).

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