10 Anos de Ilusão

Há dez anos atrás, em, 1999, o filme Matrix foi lançado pelas irmãs Wachowski, que depois fariam uma série animada explorando o universo dos filmes (Animatrix), seriam diretores de Speed Racer e produziriam o roteiro de V de Vingança. Matrix foi o primeiro produto de massa a trazer ao grande público vários questionamentos com que pouquíssimas pessoas tinham contato; o filme se tornou um divisor de águas, pois conseguiu ser precursor de uma nova geração, que une o entretenimento das cenas de ação a um questionamento filosófico milenar.

A história, portanto, começa bem antes.

Há mais ou menos dois mil e quatrocentos anos atrás, durante algum devaneio num domingo ocioso, Platão imagina uma caverna. Nessa caverna as pessoas estavam amarradas para que a única coisa que pudessem ver era uma parede. Atrás delas existia um fogo que cria sombras nessa parede, essas sombras são a única realidade que esses prisioneiros conhecem.

Se um conseguia escapar para ver além da caverna, logo voltava para contar que existia um mundo “real” lá fora. Esse era tratado como louco, e não conseguindo convencer sobre o mundo novo fora da caverna, novamente se aprisionava no mundo das sombras.

Não sabemos se Platão lia textos orientais e tinha conhecimento da mitologia hindu e da Maya, mas em sua alegoria ele defende uma idéia muito parecida. Maya, para os hindus, é o mesmo que ilusão. Como afirma o site Sociedade Teosófica, “Maya é, de fato, o princípio causador da ilusão por via indireta, mas não é a ilusão em si mesma. O que é ilusório não são as coisas em si mesmas. A ilusão está em nossa incapacidade de perceber as coisas como são em seu próprio nível de realidade. Nós as vemos de forma distorcida, de acordo com nossas limitações sensoriais e nossos condicionamentos. Isso não significa que as coisas “não existam”, e sim que não podemos percebê-las como são em si mesmas. Maya, porém, é mais do que isso. È a propriedade de plasmação de formas, sons, imagens que formam o mundo natural”. O mundo dos sentidos é a ilusão que nós impede de enxergar a verdade.

A ideia principal do “simulacro” de realidade já existia na filosofia oriental desde sempre, historicamente Platão seria o primeiro a trazê-la para a filosofia ocidental. Depois vários pensadores se debruçariam sobre o dilema do mundo dos sentidos. Se a mente pode simular qualquer um dos sentidos (como acontece nos sonhos) então como saber se a realidade existe fora da mente?

Em Matrix, todas as pessoas do planeta vivem em uma espécie de sono coletivo. As máquinas, os androides, os supercomputadores dominaram toda a raça humana e as aprisionou cada um em um receptáculo destinado a recolher a energia produzida pelo corpo. Na mente de cada um desses seres humanos, no entanto, suas vidas continuam normalmente. Trabalham, comem, vivem, morrem. Tudo isso acontece apenas dentro das suas cabeças; suas sensações são ilusões com a função de mantê-los dóceis para o recolhimento de energia. É o próprio mundo de Maya. Alguns conseguem fugir e formam uma resistência contra as máquinas — é o homem que escapa da caverna de Platão.

Dentre os últimos filósofos que se debruçaram sobre o enigma do simulacro está Jean Baudrillard. Seu livro Simulacros e Simulação aparece nas mãos do protagonista de Matrix, Neo. Essa é a primeira pista que os Irmão Wachowski passam aos espectadores.

A ideia proposta em Simulacros e Simulação é que o que vemos como realidade nada mais é que sinais e símbolos, que simulam a realidade dos sentidos. Essa realidade é apenas uma gama de relações artificiais, sem nenhum conteúdo real.

No entanto, Matrix se assemelha mais com a Alegoria da Caverna do que com a teoria de Baudrillard. Platão acreditava que essa realidade é essencialmente uma cópia mal feita do mundo perfeito (o mundo das idéias). Baudrillard não vê o mundo de maneira tão metafísica, sua teoria é essencialmente semiótica, o problema que ele vê é o simbólico tomando lugar do real numa cadeia de representações cada vez mais complexa. Baudrillard, aliás, não gosta do filme, preferindo O Show de Truman, que teria trabalhado melhor as suas ideias (veja entrevista). De qualquer modo, Matrix pode ser problematizado em pelo menos três conjuntos de ideias diferentes: Maya, Platão, Baudrillard. É mesmo uma interface simplificada para abordar esses assuntos e conectá-los.

Mais do que isso, Matrix pode ser real. De acordo com nossa evolução tecnológica, um dia será possível simular a realidade diretamente em nossa mente. Os cenários de O Vingador do Futuro — com implantes para simulação de sonhos — ou de Vanilla Sky — com a empresa de Sonho Lúcido — não estão distantes. Por exemplo, os cientistas acabaram de entender as moléculas que formam a memória — e com a ajuda de uma enzima, podem desestabilizar o funcionamento dela, e apagar a memória. A matéria do Estadão “Lembranças Traumáticas, Vamos Apagar” trata disso.

E é é possível que já estejamos vivendo nessa realidade virtual. Ludibriados como os personagens da alegoria e do filme.

Além dessa questão tecnológica, temos uma teoria cientifica baseada em física quântica que supõe que todo o universo na verdade não passa de um holograma. Hologramas são projeções de luz que simulam uma forma de 3 dimensões, mas na realidade são apenas um série de códigos e padrões de onda, gerando a ilusão de 3D quando um laser emite sua luz sobre o objeto holográfico. As pesquisas cientificas estão próximas de provar que toda a realidade dos cinco sentidos é uma ilusão holográfica também, que apenas existe de uma forma ‘sólida’ porque o cérebro/mente humana faz com que se aparente desta forma. O começo dos estudos foi feito na década de 70, e hoje é visto como algo comprovado. Seria essa a descoberta científica do véu de Maya, no entanto nada mudou para nós pobres mortais, apesar de ter criado um novo modo de pensamento científico sobre a realidade. (saiba mais)

Talvez o papel final de Matrix tenha sido esse: nos moldes de um ótimo filme de ação ele conseguiu explicar as bases teóricas de novas descobertas cientificas, assim como a base do pensamento oriental. Talvez o grande público não tenha assimilado imediatamente tudo que o filme quis passar, mas com certeza tudo isso está pairando no inconsciente de milhões de pessoas.

 

Autor

  • Formado em jornalismo, sempre trabalhou com programação. Depois, se especializou em marketing e agora está mais focado na disseminação da magia do caos e da filosofia zen.

Compartilhe esta postagem:

Participe da conversa