Da Pesquisa Brasileira | Milena Buarque: Mário de Andrade, Câmara Cascudo e o(s) modernismo(s)

“Pesquisar para encontrar algo. Pesquisar para enxergar melhor. Pesquisar para não esquecer. Pesquisar para articular e chegar a um tempo onde você já não está mais”

A jornalista e pesquisadora Milena Buarque Bandeira | imagem: Filipa Andreia

Da apuração jornalística à investigação acadêmica, entre o entusiasmo do estudo e a síndrome de impostor, Milena Buarque desenvolve um mestrado na Fundação Getulio Vargas (FGV) sobre os modernismos – no plural, ressalta ela – brasileiros, debruçando-se sobre o escritor Mário de Andrade e o historiador Câmara Cascudo e trazendo à tona debates sobre identidade e nacionalismo. O assunto, neste ano em que comemoramos o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, é de grande destaque. Jornalista formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduada em Estudos Brasileiros, pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Milena falou à Úrsula sobre sobre como se formou o seu interesse pelo tema e sobre a sua rotina como pesquisadora, como a de “tantas outras, uma tentativa – falível em alguns momentos – de equilibrar múltiplas jornadas”. 

Quais seus interesses atuais, o que te levou a eles e o que pretende realizar?

Consigo pensar nas aproximações entre o apurar – sou jornalista – e o ato de pesquisar até quando busco pelo primeiro passo que dei em direção ao hoje, momento em que sou mestranda em História, Política e Bens Culturais na Escola de Ciências Sociais (CPDOC) da FGV. 

Em 2015, à época da minha passagem pelo Curso Abril de Jornalismo, publiquei uma matéria sobre a figura de Mário Raul de Morais Andrade gestor e idealizador de bibliotecas. De lá até a especialização em Estudos Brasileiros (na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), me enveredei pelas correspondências de escritores, começando por Mário com Carlos Drummond de Andrade. 

Interessada por temas como identidade, pertencimento, sociabilidade intelectual e política (além de, evidentemente, cultura!), passei a observar (e anotar) as maneiras como Mário de Andrade descrevia o que pensava a respeito de assuntos como americanidade e nacionalismo (tão mais nuançada e ambivalente do que aprendemos a respeito do modernismo brasileiro).

Foi com essas, então rasas, considerações que escrevi meu projeto de pesquisa, em diálogo ampliado com o historiador potiguar Câmara Cascudo, amigo de Mário, articulador também de uma potente rede de relações que extrapolava o território brasileiro – e colocada à disposição do paulista.

Hoje, dou continuidade à pesquisa, com enfoque em alguns escritos de Mário e em críticas literárias de Cascudo datados da década de 1920.

Como é a sua rotina de trabalho? Que infraestrutura (financiamento etc) a mantém?

Minha rotina se assemelha a tantas outras de quem decide embarcar na pesquisa: uma tentativa – falível em alguns momentos – de equilibrar múltiplas jornadas ao mesmo tempo. Trabalho, cuido diariamente da minha saúde física e mental, assisto a aulas e palestras e escrevo.

Tive, sim, direito a uma bolsa de estudos da Capes Prosup [referência ao Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] para financiar a minha pesquisa. Como deveria escolher entre ela e a manutenção do meu vínculo empregatício, optei pelo último.

Contudo, compartilho aqui um pensamento recorrente, que atravessa a lida do primeiro dia de aulas – sempre tão entusiasmado e cheio de energias – aos momentos em que a síndrome da impostora bate à porta: tudo seria muito diferente se pudéssemos contar com um financiamento factível e satisfatório para desenvolvermos nossas pesquisas neste país.

No mais, em relação à estrutura, penso que não poderia estar em um lugar melhor: junto a um dos mais importantes acervos do Brasil, o do CPDOC [Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil], podendo seguir a linha da interdisciplinaridade entre história, sociologia e literatura e tendo contato com tantos pesquisadores e professores que me ajudaram a trilhar este caminho.

Para finalizar, a respeito da minha rotina posso dizer que tentei diferentes organizações neste primeiro ano de mestrado, como, para citar um exemplo, horas dedicadas às leituras das disciplinas cursadas e momentos distintos para o que precisava alcançar em minha pesquisa. Também tentei deixar o dia a dia mais leve, transferindo toda a carga de leituras para os finais de semana. Ou então acordar duas horas mais cedo por pensar que as manhãs funcionariam melhor para mim.

O que posso compartilhar é o agora, o que está fazendo sentido no momento atual: uso o aplicativo da agenda do Google no celular para coordenar os calendários pessoal, profissional e de estudos. Assim, consigo ter visibilidade total. As cores também me ajudam a saber se estou ou não cumprindo a minha própria proposta.

Como você explicaria a importância, o fascínio do seu interesse de pesquisa a um leigo?

Assim como a temática da nossa identidade não sai da pauta acadêmica, dos círculos das ruas (o que os memes podem dizer sobre nós ao sintetizar alguns traços de nossa personalidade coletiva?) e da política, a literatura nunca deixou de caminhar, com seus registros, os passos da nossa história. 

Como podemos repensar o que aprendemos nas escolas a respeito dos modernismos – jamais “modernismo” – e como alguns deles tencionaram forjar uma ideia de nacional que não rivalizava necessariamente com o externo?

Ser nacional significa tacitamente não ser universal? Qual é linha que separa o discurso nacionalista do (não)debate xenofóbico?

Para aguçar: no caso do Brasil, 100 anos depois, o lugar de fala do modernismo é apenas e ainda sulista?

Quais impactos você enxerga na sua pesquisa? Na área, para a sociedade, entre outros.

A efeméride relacionada à Semana de 1922 é meramente uma felicidade, visto que iniciei essas vontades ainda na especialização, há alguns anos. Contudo, aproveitando a deixa e a atenção, pretendo contribuir com estudos, já em andamento, que visam descentralizar “o modernismo” brasileiro, como ele ainda é lido e escrito. Gosto também da ideia de pesquisar um intectual polímata como o era Câmara Cascudo, grande articulador (para além das fronteiras territoriais!) e tão generoso quanto Mário de Andrade em suas redes de relações. É difícil encontrar uma missiva sequer de Cascudo ao amigo paulista sem que aquele mencione um companheiro potiguar e recifense, buscando visibilidade.

Por que pesquisar?

Pesquisar para encontrar algo que ali não estava, para enxergar melhor o que ali já estava, para ver de outra maneira, para vislumbrar novas formas. Pesquisar para não esquecer, pesquisar como manifesto em favor da memória. Pesquisar para articular, colocar no papel e passar adiante – chegar a um tempo onde você já não está mais.

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