Sobre Arte e Custo de Vida

imagem: Christopher Dombres

Nesta semana, rodou pelas redes sociais a revolta de uma pessoa com uma artista que cobrava 85 reais por um desenho personalizado — uma commission, como costumam chamar no meio, ou simplesmente uma encomenda. A pessoa revoltada não era o foco em si, porque ela só refletiu um pensamento corriqueiro que nós temos: de que arte não vale muita coisa e que quem cobra por ela cobra sempre um preço injusto.

Em uma sociedade capitalista, tudo é produto. A arte também é. Para participar da sociedade capitalista, você precisa participar do sistema de geração de capital. E eu sei que o uso da palavra participar talvez implique que você tem uma escolha, mas você não tem; você nasceu aqui. É ótimo pensar que o artista é alguém que vive fora do sistema, mas ninguém vive fora dele.

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Você precisa monetizar sua arte. E qualquer habilidade que você tenha. Quando adolescente, somos guiados para fazer coisas que gerem dinheiro (pouco para nós, muito para algo chefe ou CEO), justamente porque as regras são essas. No mundo que eu penso ser ideal, o de renda básica universal, você ganharia mensalmente o necessário para ter o que qualquer ser humano deve ter: capacidade de pagar por uma moradia, por comida, por saúde. Há quem diga que nada disso é um direito: que você tem que merecer pelo tanto que você trabalha ou pela sua posição na vida. Eu discordo, mas esse é assunto pra outro texto. O fato é que, agora, em uma sociedade capitalista, precisamos colocar um valor nas nossas habilidades, na esperança de conseguir pagar pelo mínimo necessário para sobreviver. As contas nem sempre fecham, chegando o fim do mês.

Como 85 reais por encomenda foi o valor que serviu de gatilho para a discussão, é nele que eu vou me concentrar. 85 reais por encomenda. Suponha que a artista receba dez encomendas por mês. São 850 reais por mês — uma quantia que dificilmente cobre os gastos básicos, muito menos material de desenho. Ou suponha que a artista tenha uma família. Quantas encomendas ela precisaria receber para gerar uma renda que garantisse uma vida digna para ela e para quem depende dela?

Eu trabalho no mercado editorial. Fazer livros é caro, e vendê-los é difícil. Eu quero cultura acessível e coloco isso em prática: o primeiro livro da Dame Blanche foi lançado (e continua) de graça. Os lançamentos subsequentes nunca passaram dos dez reais. Apesar disso, a cada novo lançamento, descubro que nossos livros foram parar em sites de pirataria. Eu não sou a favor de perseguir leitor que não tem dinheiro e que, por isso, baixa um PDF. Mas acho ingenuidade quando eles se pintam como revolucionários que acreditam que estão driblando o sistema, sem perceber que só o alimentam. Alguém sempre está lucrando com você, mesmo que você não coloque sua mão no bolso. E, geralmente, quem lucra são os sites de pirataria, e não quem produziu o conteúdo que você está consumindo.

Já vi autores estabelecidos—ou pelo menos conhecidos—incentivando a pirataria: deixe as pessoas lerem. E, ainda que eu concorde com esse sentimento, a maioria desses autores têm fonte de renda em outro lugar: ou são tradutores muito valorizados no mercado, ou ganham com eventos, ou então são simplesmente milionários, como no caso do Neil Gaiman, alguém que simplesmente não liga para a pirataria porque ele atingiu um certo patamar dentro do sistema capitalista em que ele não precisa ligar. É bem possível que o jovem Neil Gaiman, sem um tostão no bolso, também compartilhasse da ideia de que leitura e arte precisam ser acessíveis e que, se você for obrigado a piratear, que pirateie; mas é inegável que todas as vendas feitas com o nome do Neil Gaiman compraram para ele uma mansão muito confortável no Minnesota, onde ele pode escrever sossegadamente, sem se preocupar com as contas que chegam. E é relativamente fácil ser contra a sociedade do consumo e do capitalismo e da ideia de que arte tem um valor monetário quando você já se beneficiou de tudo isso.

Mas e os autores e artistas independentes? Se não ganham nada de suas vendas, porque todo conteúdo deve ser livre, ganham do quê? Sobrevivem como? Desejo que a arte seja livre, mas o que será feito do artista se a arte for livre dentro do sistema capitalista? Como o artista vai sobreviver?

É necessário que as pessoas pensem nisso. Especialmente antes de jogar em público que artista tal é um burguês safado porque cobra 85 reais por um desenho exclusivo. Ou que o preço do livro X está muito alto, então é preferível baixá-lo num site pirata que se enriquece com ADs.

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