10.000 A.C. – A Geologia da Moral

Dupla Articulação

Dando continuidade ao estudo de Mil Platôs chegamos a um capítulo bem diferente dos anteriores, nos dois primeiros capítulos temos imediatamente uma ideia geral do que ele se trata, eles são bem definidos. No primeiro capítulo, conceituamos o que é o rizoma. Em ‘Um só ou vários lobos’, temos parte da crítica ferrenha à psicanálise freudiana. Em ‘A Geologia da Moral’, eles utilizam a narração do professor Challenger, um personagem de Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, para descrever os processos maquínicos do planeta.

Para direcionar, começarei com um resumo de Ovídio Abreu Filho. Segundo ele, este capítulo ‘apresenta a ontologia como geologia das multiplicidades, constituídas por movimentos de estratificação e desestratificação que se conjugam com movimentos de territorialização e desterritorialização traçados por máquinas abstratas que operam sobre diversos planos de consistência’. Vamos agora explicar os vários conceitos envolvidos no artigo. Conforme avançamos, o leitor vai recebendo instrumentos novos para interpretar a realidade.

Ontologia tem o significado (dentro da filosofia) de ‘conhecimento de ser’. Geologia é a ciência que estuda a Terra. Multiplicidades é um termo cunhado pelos autores para dar uma ideia de rizomaticidade (explicado em meu texto anterior). O conhecimento de ser é explicado a partir do estudo da Terra dentro de suas multiplicidades; essas, por sua vez, são constituídas pelos movimentos de estratificação e desestraficação.

Estratos dentro da Geologia são as sedimentações rochosas que criam as camadas da crosta terrestre, antes da vida toda a evolução geológica se fazia por estratos, a Terra ficava apenas movimentando esses estratos, se desestratificando e reestratificando.

Ele usa essa ideia também dentro da evolução biológica e passa a usar a palavra estrato para tudo que é usado no processo, ou seja, estrato é o objeto, a coisa, que se forma e se transforma no caminho evolutivo.

Os termos territorialização e desterritorialização indicam a problemática de limitar e fugir desse limite, isso na Geologia está acontecendo desde sempre, os estratos se afundam e emergem em movimentos eternos de territorialização e desterritorialização.

Uma máquina abstrata, por definição, é um autônomo, algo que cria um processo qualquer sem nenhuma interferência externa. Por exemplo: o movimento de translação da Terra seria uma máquina abstrata; esse movimento tem relação com a territorialização e desterritorialização dos estratos terrestres, assim como com a movimentação das marés, o campo magnético e tudo mais, por isso, diz-se que operam sobre diversos planos de consistência.

Esse é o resumo básico, mas o que essa lagosta tem a ver com isso?
Segundo os autores, os processos maquinícos são possíveis através de uma dupla articulação entre a forma e o conteúdo; no caso geológico, por exemplo, poderia ser o movimento de fuga (a força centrífuga) da Terra em relação à gravidade. Todo o movimento evolutivo seria determinado por, no mínimo, fatores duplos.

Challenger explica essa dupla articulação em cada parâmetro evolutivo da Terra, entrando na química molecular, seguindo com as evoluções biológicas, de organismos simples até os mais complexos, para finalmente chegarmos à lagosta.

A lagosta pré-histórica seria o primeiro ser a trazer em seu próprio corpo a dupla articulação. A ousadia questionada no subtítulo (‘quem a terra pensa que é?’) se refere exatamente à primeira lagosta. A Terra demonstra nesse ser o funcionamento de seu próprio processo evolutivo.

Deus é uma Lagosta ou uma dupla-pinça, um double-bind. Os estratos não se limitam a grupar-se, no mínimo, aos pares; de uma outra maneira, cada estrato em si é duplo (terá, ele próprio, várias camadas). Cada um apresenta, com efeito, fenômenos constitutivos de dupla articulação. Articulem duas vezes, B-A, BA. Isso não quer absolutamente dizer que os estratos falem ou sejam linguagem. A dupla articulação é tão variável que não podemos partir de um modelo geral, mas apenas de um caso relativamente simples.

A Terra como a grande máquina abstrata tinha em si a possibilidade de desestratificação, a medida que as moléculas se organizavam em dupla, aumentavam a capacidade de desterritorialização e reterritorialização. A evolução biológica seria o grande passo, a grande ousadia representada pela lagosta.

Mas Challenger quer explicar desde o começo, como funciona a dupla articulação desde a química celular. As reações entre as moléculas (de acordo com eles) também procede por dupla articulação, criando remanejamentos sucessivos e segmentaridade por polimerização.
Acabando a explicação do processo geológico, químico e finalmente biológico, temos a ideia de dupla articulação aplicada à linguagem, a primeira lagosta finalmente poderia segurar sua presa e processá-la antes de comer — e nós, com a invenção da linguagem moderna, finalmente conseguiríamos separar o signo do objeto.

A dupla articulação da linguagem dá a possibilidade de ‘pegar’ uma questão especifica e processá-la. Diferente de nosso antepassados que tinham sua linguagem colada no objeto, um grunhido para representar a caverna, a onça, a comida. Nós podemos falar sobre sentimentos, coisas que não existem fisicamente, coisas que nunca foram pensadas.

Poderíamos concluir a questão dizendo que toda a evolução aconteceu nessa forma de dupla articulação, a lagosta foi o primeiro ser a utilizá-la fisicamente, depois de milhares (bilhares?) de anos utilizamos o mesmo mecanismo dentro da linguagem, para explicar, enfim, o que seria uma dupla articulação.

 

 

Autor

  • Formado em jornalismo, sempre trabalhou com programação. Depois, se especializou em marketing e agora está mais focado na disseminação da magia do caos e da filosofia zen.

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